O dia 23 de dezembro de 1995 permanece marcado de forma profunda na história de Timbé do Sul e, principalmente, na memória das famílias atingidas pela enxurrada que devastou comunidades inteiras no município. Três décadas depois, as cicatrizes ainda são visíveis — tanto na paisagem quanto nas lembranças de quem viveu aquele período.

Ao percorrer a comunidade de Figueira Bordignon, localizada a cerca de 9 quilômetros do Centro de Timbé do Sul, ainda é possível encontrar construções abandonadas e relatos de casas e edificações que foram completamente destruídas pela força da água. A tragédia ocorreu dois dias antes do Natal, o que tornou a data ainda mais traumática para os moradores.
O fenômeno extremo

Na época, os dados meteorológicos eram escassos e imprecisos se comparados aos sistemas atuais. Relatos de moradores e registros superficiais indicam que choveu cerca de dois mil milímetros em um curto espaço de tempo. Por volta das 15h do dia 23, nuvens baixas, escuras e carregadas se formaram na encosta do Cânion do Rio Figueira. O solo saturado não suportou o volume de água, provocando deslizamentos e o acúmulo de grandes quantidades de detritos.
Moradores relatam que, antes da tragédia, os animais apresentavam comportamento incomum, mais agitados, sinalizando que algo fora do normal estava prestes a acontecer. O rio alterou rapidamente seu curso, começou a subir e a arrastar terra, árvores e tudo o que encontrava pela frente. Barreiras naturais se formaram e se romperam sucessivamente, até a formação de uma grande represa.
O ponto de maior represamento ocorreu onde hoje está localizado o Poço do Violão, um dos principais pontos turísticos de Timbé do Sul. Antes da enxurrada, o local simplesmente não existia.
A força destrutiva da água
Quando a represa rompeu, um enorme rolo d’água — descrito por testemunhas como semelhante a um tsunami — desceu com violência extrema. Lama, madeira, entulhos e a água represada avançaram fora do leito do rio, atravessando terrenos, plantações, casas e até uma escola. A enxurrada vitimou 16 pessoas em Timbé do Sul, sendo que dois corpos nunca foram localizados.
Dados do Departamento de Geociências da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), baseados em marcas ainda visíveis no local, apontam que a lâmina d’água atingiu entre 8 e 12 metros de altura, deslocando-se a aproximadamente 7 km/h.
Entre as histórias de sobrevivência, uma das mais conhecidas é a de Dionísio Bordignon (já falecido), que contava que sua família se salvou ao subir em um pé de goiabeira, onde permaneceram até que o nível da água baixasse.
Memória e homenagem às vítimas

No centrinho da comunidade de Figueira Bordignon, próximo à igreja e ao salão de festas, a Prefeitura de Timbé do Sul instalou um memorial em homenagem às vítimas. O espaço reúne os nomes de:
Ademir da Silva de Oliveira, Angelina Pelizzari, Arlindo da Silva, Eraides Rodrigues da Silva, Franciele Donadel, Ivan Donadel, Jair Turossi Boeira, Gessica Quirino Donadel, João Miranda, Leonel Faustino de Oliveira, Liege Mota da Silva, Maria Glória Mota da Silva, Selma Macedo da Silva, Terezinha Waterkemper Donadel, Vanoir da Silva Lopes e Vandro Sergio Lopes.
A frase gravada no memorial resume o sentimento da comunidade: “A água levou… a lembrança ficou.”
Muitas famílias deixaram Timbé do Sul após a tragédia, incapazes de permanecer no local marcado pela dor. “Não é uma data comemorativa, é uma data traumática. Mas precisamos honrar essas vidas e lembrar que buscamos novas formas de dar estrutura aos moradores para que algo assim não aconteça novamente”, destacou o prefeito Vilmar Maffiolette.
Avanços na prevenção
Desde então, o município avançou em ações preventivas. Foram realizados trabalhos de desassoreamento, em parceria com a Defesa Civil, e está prevista a instalação de diversas pontes de concreto a partir de 2026. Na comunidade de Figueira Bordignon, três pontes já contam com aprovação da Defesa Civil Estadual.
Além disso, o município busca a instalação de uma estação meteorológica específica para a localidade, complementando a que já existe na praça central. Sistemas de radar meteorológico e alertas via Defesa Civil, como o cadastramento no número 40199, também fazem parte das estratégias de prevenção.
“Hoje é muito mais difícil que algo dessa magnitude aconteça sem que a população seja informada. Temos instrumentos para alertar e salvar vidas”, explicou o coordenador da Defesa Civil de Timbé do Sul, Evandro F. Amandio.
A tragédia no contexto estadual
Conhecida como a “Enchente do Natal”, a tragédia de 1995 foi uma das maiores já registradas em Santa Catarina. Em todo o estado, mais de 28 mil pessoas ficaram desabrigadas, 50 municípios foram afetados e ao menos 29 mortes foram registradas. O Sul catarinense foi uma das regiões mais impactadas, com destaque para Timbé do Sul, Jacinto Machado, Forquilhinha e Siderópolis.
O resgate teve início ainda em 23 de dezembro e se estendeu até janeiro de 1996, mobilizando Corpo de Bombeiros Militar, Polícia Militar, Defesa Civil, Exército e voluntários. Em meio ao caos, à lama e à destruição, histórias de dor, solidariedade e esperança marcaram aquele que ficou registrado como um dos capítulos mais trágicos da história catarinense.










