quarta-feira, 6 DE agosto DE 2025
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Entrevista | Tarifas de Trump: da tributação (não) recíproca à geopolítica que parece política

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Por Henrique Franceschetto, advogado tributarista*

 

Não existe realidade, só existe percepção da realidade. Não consigo me lembrar onde li esta frase pela primeira vez ou quem é o(a) autor(a), porém nunca mais esqueci esta ideia. A citação é impactante, em minha opinião, pois escancara uma questão fundamental: nossa percepção é, necessariamente e sempre, limitada (o que também quer dizer que ela sempre será enviesada).

Na posição de um advogado tributarista que atua exclusivamente nesta área há quase 10 anos me percebi cada vez mais, ao longo do tempo, estudando sobre gestão financeira, contabilidade e economia. São áreas correlacionadas ao Direito Tributário e que me ajudaram a expandir a minha percepção da “realidade fiscal” do Brasil e do mundo. Considerando isso é fácil imaginar qual foi a minha surpresa ao ver que no pacote tributário (estas tarifas americanas são tributos, não custa relembrar) inicialmente anunciado pelo Governo Trump ao Brasil estava sendo imposta a singela alíquota de 10% (mínima do pacote em questão) a título de “tributação recíproca”.

A primeira reação de quem trabalha nesta área o dia inteiro é se perguntar: “Ué, mas o Brasil não tributa em muito mais do que 10% praticamente tudo o que vem dos EUA? Estes 10% bastam para gerar a tal reciprocidade?”. Em poucos dias a questão se resolveu: o pacote não tinha nada a ver com tributação recíproca, mas sim pretendia reduzir os déficits comerciais dos EUA com diversas nações ao redor do mundo. O Brasil, sendo um país com o qual os Estados Unidos possuem superávit comercial, ficou de fora do maior impacto inicialmente, e por isso acabou sendo tributado em “apenas” dez por cento nas novas tarifas.

Para quem não acompanhou o tema de perto basta dizer que o cálculo foi feito de acordo com uma fórmula matemática que, apesar de parecer complexa à primeira vista, no final era bastante simples (mais uma vez a percepção moldando a realidade experienciada na proporção de sua própria expansão). Eis a fórmula:

Porém, analisando-se de forma mais cuidadosa, percebe-se que ela se resume a um cálculo simples. Basicamente você busca o déficit comercial dos EUA em bens com um determinado país e divide-o pelo total de importação de bens desse país para, em seguida, dividir este valor por dois.

Agora o Brasil se vê diante de um novo desdobramento das políticas tarifárias do Governo Trump: desta vez com a promessa de que as exportações brasileiras direcionadas ao país norte americano passarão a ser tributadas com a expressiva alíquota de 50% (cinquenta por cento) a partir do dia 01 de agosto (ou seja, apenas 20 dias depois da data em que estou redigindo este texto). Neste momento inclusive começam a aparecer algumas análises indicando que agora, com a nova alíquota de 50%, de fato os EUA estariam mais próximos de impor uma tributação recíproca sobre o Brasil (em que pese não me parece que esta tenha sido a motivação por trás da medida, como abordarei a seguir).

Para os fins a que se pretende este artigo vamos deixar de lado inicialmente todos os desdobramentos econômicos regionais (Santa Catarina, estado brasileiro onde resido, tem nos EUA seu principal parceiro econômico internacional) e nacionais (o país em questão é o segundo maior parceiro comercial brasileiro) e focar apenas em avaliar qual poderia ter sido a motivação por trás desta iniciativa. Trata-se de exercício inglório e naturalmente limitado, uma vez que só podemos conjeturar, porém ainda assim me parece que a atividade será frutífera.

O intuito manifestado na recente Carta assinada pelo Presidente norte americano Donald Trump e endereçada ao atual Presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva era, basicamente, o de defender a liberdade política, democrática e de expressão do povo brasileiro em seu próprio território. Houve também referências expressas ao nosso ex-Presidente Jair Bolsonaro e ao julgamento deste, atualmente em trâmite no Supremo Tribunal Federal.

No que se refere a tais aspectos, e sem fazer qualquer juízo quanto aos presidentes brasileiros supracitados, entendo que a iniciativa parece fundamentada. Não é nenhum segredo que nas conversas entre juristas atualmente estamos, em grande parte, muito preocupados com os avanços do ativismo judicial. A difícil relação entre os Poderes da República e a instabilidade institucional que cresce (muitas vezes por decorrência de iniciativas bastante questionáveis do nosso Poder Judiciário acerca de temas que, geralmente, deveriam ser de prerrogativa do Congresso Nacional ou do nosso Executivo Federal) tem se tornado tema cada vez mais recorrente.

Por outro lado, é difícil crer que medida tarifária norte americana de tamanho calibre (podendo inclusive inviabilizar a exportação de diversos produtos brasileiros, alguns de primeira necessidade nos EUA) teria sido fundamentada apenas e tão somente em uma tentativa de garantir a democracia e a liberdade em um país próximo (este nosso Brasil que ainda é uma das maiores democracias do planeta).

Com todos os riscos inflacionários para a população americana, com todos os desdobramentos geopolíticos possíveis, com toda a relevância internacional que o maior país da América Latina possui, considerando ainda ser o Brasil um dos maiores exportadores mundiais de petróleo, laranja e café (itens com grande mercado nos EUA), será que tal fundamentação se mostraria suficiente para iniciativa tão belicosa? Acredito que o intuito manifestado na Carta é sincero e os questionamentos ali apresentados de fato merecem a atenção do debate público, porém não me parece que esta tenha sido a única motivação do aumento tributário em questão.

Neste momento vale relembrar a recente reunião ocorrida em território brasileiro com os países que compõem o chamado BRICS (grupo este que vem se expandindo rapidamente). O Brasil é um dos grandes protagonistas e está na vanguarda de referido grupo, dentro do qual exerce importante papel de articulação política a nível global. Além da nação brasileira também fazem parte deste mesmo conglomerado, com diferentes status, países com os quais os EUA possuem grandes conflitos geopolíticos, comerciais ou estratégicos, como por exemplo a Rússia, a China e até mesmo o Irã (sendo que este último esteve envolvido inclusive em conflito militar direto e recente com o país norte americano).

Quando da realização de referida reunião em solo nacional (no último 7 de julho) o Presidente brasileiro assim se manifestou: “o mundo precisa encontrar um jeito para que nossa relação comercial não precise passar pelo dólar”. No dia seguinte, Donald Trump passou a defender a taxação dos países do Brics, alegando que o bloco quer substituir o dólar como moeda padrão.

Diante do contexto e do “timing” da medida tarifária proposta em 09 de julho deste ano, entendo que vale a pena apresentar certos questionamentos, de maneira cautelosa, enquanto tentamos de fato compreender a temática.

Já sabemos, conforme exposto na primeira parte deste texto, que as medidas tarifárias propostas pelos EUA tinham inicialmente, em sua manifesta fundamentação, a tributação internacional recíproca. Esta motivação posteriormente não se confirmou como sendo o verdadeiro motivo para as propostas.

Será que a fundamentação para esta nova medida tarifária contra o Brasil está de fato em atacar questões internas da política brasileira, ou processos judiciais ainda em trâmite? Não faria mais sentido que uma medida de tal porte estivesse relacionada a preocupações mais amplas? Estaríamos nós como sociedade enviesados por uma percepção política, de cores nacionais, que está nos impedindo de perceber a verdadeira realidade geopolítica da medida?

Por fim, e se concluirmos que a geopolítica possa ter sido uma das grandes motivadoras da ameaça tarifária em questão (como já adianto que é a minha visão), ainda restará nos questionarmos: é da vontade do povo brasileiro se posicionar geopoliticamente ao lado de nações que estão atualmente invadindo (ou ameaçando invadir) territórios de povos soberanos adjacentes? Ou então de nações que defendem, aberta e explicitamente, a destruição de países e povos próximos com base em divergências religiosas?

Talvez, e só talvez, este possível aumento de tributos norte americanos e todos os seus desdobramentos para a economia brasileira possam ser o ponto de partida para uma negociação que nos leve a um (lento) ponto de inflexão no posicionamento geopolítico de nosso país, reaproximando-o do ocidente e dos valores democráticos que sempre foram tão importantes a nós. Talvez seja pouco provável, mas é uma realidade possível a partir deste olhar.

O tempo dirá. De nossa parte, sigamos acompanhando.

 

*Ex-professor de Auditoria Fiscal Federal, Direito Tributário, Processo Tributário e Finanças Corporativas. Presidente do Conselho Científico da ASSET/SC. Sócio fundador da Franceschetto Advocacia Tributária.

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