“Apesar de tudo, eu ainda acredito na bondade humana.” A frase eternizada no livro O Diário de Anne Frank marcou profundamente Matteo, um adolescente que esteve acolhido no Abrigo Cativar, em Araranguá. Foi durante sua participação no projeto Biblioteca Acolhedora, promovido pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), que ele descobriu na literatura uma forma de ampliar horizontes, refletir sobre a vida e ganhar voz para compartilhar suas impressões.
O projeto foi criado pela 1ª Promotoria de Justiça de Turvo e está em andamento desde o mês passado no abrigo, que atende crianças e adolescentes de seis municípios do Extremo Sul catarinense. A iniciativa oferece acesso a livros, rodas de conversa e incentivos culturais, promovendo o hábito da leitura e fortalecendo vínculos.
Dinâmica de leitura e incentivos
A proposta é simples: cada acolhido escolhe um livro por mês, lê com o apoio de um cuidador e registra suas impressões em forma de resenha. No fim do ciclo, os jovens compartilham suas descobertas em grupo e recebem incentivos, como idas ao cinema, passeios no parque e participação em atividades culturais. A ideia é unir o aprendizado ao direito à convivência comunitária, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
“Com os livros lá na casa, a gente se sentiu mais motivado a ler. Escolhi esse livro e achei maravilhoso. Apesar de falar sobre o nazismo, aprendi muita coisa. Essa frase foi a que mais me marcou, porque, mesmo depois de tudo o que aconteceu com a Anne, ela ainda acreditava na bondade das pessoas. É uma frase muito forte”, contou Matteo. Hoje, ele já deixou o abrigo, retornou ao convívio familiar e levou consigo o gosto pela leitura.
Acompanhamento pedagógico
Segundo a promotora de Justiça Ana Carolina Schmitt, o projeto prevê acompanhamento pedagógico ao longo do mês. Uma profissional auxilia na elaboração das resenhas, apoia na superação de dificuldades e registra a evolução de cada criança.
“Eu e minha equipe acreditamos muito que a literatura transforma vidas. Criamos esse projeto para que, ao retornarem às famílias, os acolhidos levem consigo o hábito da leitura, a escrita e a capacidade de falar em público, que temos estimulado por meio desta iniciativa”, explicou.
Vínculo com cuidadores e avanços percebidos
A coordenadora social do abrigo, Ana Cláudia Broca, destacou que as próprias crianças escolheram os cuidadores que as acompanham nas leituras, fortalecendo laços de confiança. “Foi maravilhoso ver como a leitura as envolveu na própria história de vida, levando-as a refletir sobre suas trajetórias”, disse.
Entre os resultados já percebidos estão o aprendizado da leitura por uma das crianças, o desenvolvimento de memorização por outra e avanços em foco, concentração e diminuição do tempo diante das telas.
Primeiras resenhas e doações
As primeiras apresentações ocorreram no último sábado (23), em um encontro chamado “saia literária”, que marcou oficialmente o lançamento do projeto. Entre as obras escolhidas estiveram clássicos de fantasia, como Harry Potter, biografias de jogadores de futebol e contos infantis.
Nos próximos meses, novas leituras serão realizadas e a biblioteca do abrigo segue recebendo doações para ampliar o acervo. Interessados podem entregar livros no Fórum da Comarca de Turvo (Rua Raul Manfredini, 520 – Cidade Alta) ou entrar em contato pelo telefone (48) 3525-7201.
Literatura como ferramenta de transformação
O “Biblioteca Acolhedora” integra o programa Transformação MP, iniciativa do Ministério Público catarinense que estimula Promotorias de Justiça a elaborarem e implementarem projetos resolutivos para enfrentar problemas locais.
“Os resultados têm superado nossas expectativas. Além da leitura e da escrita, o projeto fortaleceu o vínculo entre acolhidos e cuidadores, trouxe mais concentração e foco para outras atividades e, sobretudo, fez as crianças sonharem. Muitas delas contam que, por meio dos livros, passaram a acreditar em uma vida melhor e em novas possibilidades”, concluiu a promotora Ana Carolina Schmitt.