domingo, 24 DE agosto DE 2025
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Luiz LlantadaCrônica | A vaca morta

Crônica | A vaca morta

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No ano de 1950 morávamos em Caxias do Sul(RS). Éramos cinco irmãos; duas meninas e três meninos. Dos homens, eu tinha seis, o do meio nove e o mais velho dez anos. Foi quando fundamos uma empresa informal. Meu pai ganhava o suficiente apenas para sustentar a família. Não sobrava dinheiro para os supérfluos. Assim, eu meus irmãos tínhamos que nos virar para comprar balas, picolés, gibis e pagar o infalível matiné dos domingos.

Dentre outras atividades de menor expressão, dedicávamo-nos à exploração do comércio de “ferro-velho”. Intermediávamos a fonte de produção e o comércio de atacado. Saíamos pela vizinhança, à cata de osso, vidro, ferro, alumínio, cobre, chumbo, enfim, tudo que se pudesse fazer dinheiro. Nós mesmo construíamos carrinhos de mão, feitos com caixotes e rolamentos usados. Como se vê, também explorávamos o ramo de transportes.

Percorríamos ruas e campos da periferia atentos a tudo. Nada nos escapava; panelas velhas, pedaços de metais, fios, ferros enferrujados e ossos de qualquer bicho. Quando víamos um cachorro roendo um osso grande, de bom peso, nós o enxotávamos, fazendo-o abandoná-lo e, de imediato, o recolhíamos. Além da nossa, havia outras empresas do ramo, da molecada do nosso bairro. A concorrência era dura, mas leal e tudo divertido. A gente andava muito, suava e fazia força. Mas ganhava-se algum dinheiro. Quando tínhamos sede, batíamos em alguma porta para pedir um copo d’água. A maioria das pessoas nos dava, outras não. Este fato despertou a minha curiosidade infantil. Ali comecei a conhecer a humanidade. Descobri que havia pessoas boas e más.

Um dia avistamos num campo o esqueleto de uma vaca. Ela havia morrido há pouco, pois ainda tinha alguns urubus roendo os ossos. Sentimos que aquilo seria o nosso grande negócio. Assim como fazíamos com os cachorros, também espantamos os urubus com paus e pedras. Eles voavam e nós não. Era infantaria contra força aérea. Duras batalhas, mas a maioria delas vencemos.

Os ossos brilhavam ao Sol, diante de nossos olhos gananciosos. Pegamos umas cordas, amarramos no esqueleto, cujos ossos ainda estavam interligados por cartilagens e saímos os três, arrastando a carcaça até o depósito do ferro-velho. Íamos pelos campos e ruas. Um bando de moleques nos cercava e todos fazíamos a maior algazarra. Pessoas paravam para nos olhar e rir, dizendo gracejos. Pesada a ossada, pegamos nosso dinheiro e rumamos para casa.

Ao chegarmos, contamos para a mãe a nossa aventura. Ela não gostou muito da história e até nos reprendeu, mas não com muita energia. Na minha inocência de criança eu apenas sorria, feliz com o meu dinheiro, a minha cota da sociedade, já no bolso. Depois daquilo, nunca mais apareceu uma “vaca-morta” na minha vida. Tudo o que conquistei até aqui foi com muita luta.

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