O Comando Vermelho (CV) surgiu em 1979, dentro do presídio Cândido Mendes, na Ilha Grande (RJ), resultado da convivência entre presos comuns e militantes de grupos armados que combatiam o regime militar.
O lema — “Paz, Justiça e Liberdade” — inspirou, inicialmente, uma organização de resistência e solidariedade entre detentos. Mas a utopia rapidamente deu lugar à estruturação de uma das facções criminosas mais antigas, violentas e influentes do Brasil.
Da Falange Vermelha ao nascimento do Comando
O CV nasceu da antiga Falange Vermelha, que funcionava como um coletivo de autoproteção no cárcere. Os principais fundadores foram Willians da Silva Lima, o “Professor” — um dos idealizadores do grupo —, Paulo César Chaves e Eucanã de Azevedo.
O grupo tinha uma lógica interna de organização, lealdade e código de conduta, inspirada nos princípios de solidariedade aprendidos com presos políticos. Mas, com o tempo, o idealismo se dissolveu em meio ao poder e à violência: o CV mergulhou no tráfico de drogas, transformando-se na espinha dorsal do crime organizado carioca.
A cocaína e o início do império
A virada veio entre o fim dos anos 1970 e o início dos 1980, quando a cocaína se consolidou como principal fonte de renda e influência do Comando Vermelho.
O Brasil entrou definitivamente na rota internacional da droga, servindo como corredor entre países produtores andinos e o mercado europeu, e também como mercado consumidor de um produto de menor qualidade e preço.
Com o tráfico, vieram as armas pesadas. O CV passou a usar pistolas 7,65 mm, metralhadoras Beretta, Uzi e Ingram, fuzis automáticos, granadas, rifles com mira a laser e até armamentos antitanque e antiaéreo.
Essa escalada coincidiu com a explosão da violência no Rio: a taxa de homicídios, que era de 25 por 100 mil habitantes no início dos anos 1980, saltou para 78 por 100 mil em 1994, segundo registros históricos da época.
Expansão e poder dentro e fora das prisões
O Comando Vermelho estruturou um sistema de operações multifacetado, indo além do tráfico de drogas. A facção comandava assaltos a bancos e carros-forte, sequestros e contrabando de armas, reinvestindo o lucro em drogas e munição — um ciclo que manteve a organização viva e poderosa.
No auge, o CV chegou a dominar cerca de 70% do tráfico do Rio de Janeiro, contando com cerca de 6.500 homens armados e 300 mil pessoas ligadas indiretamente à sua rede de influência.
Mesmo com a prisão de seus principais líderes, o grupo manteve o comando dentro das penitenciárias, como o presídio de Bangu 1, de onde as decisões estratégicas continuam sendo tomadas.
O modelo de comando é colegiado: cada líder controla uma área e ações de maior impacto são submetidas à aprovação do grupo — embora os votos tenham pesos diferentes, conforme o grau de influência.
Do Rio para o Brasil — e os rachas internos
Nos anos 1990, o Comando Vermelho expandiu suas operações para outros estados, especialmente São Paulo, onde se infiltrou no tráfico da Cidade Tiradentes, zona leste da capital.
A facção levou armas, dinheiro e conexões que se associaram a figuras do jogo do bicho e a pequenos traficantes. No entanto, o crescimento acelerado trouxe também rachas e disputas internas por poder.
Dessas divisões nasceram novas facções criminosas, como o Primeiro Comando da Capital (PCC), o Terceiro Comando (TC), o Amigos dos Amigos (ADA) e o Primeiro Comando Jovem (PCJ) — todas derivadas, em algum grau, da estrutura e da ideologia inicial do CV.
O “Doca” e a nova geração do Comando Vermelho
Entre os nomes mais conhecidos da nova geração de líderes do CV está o traficante Edgar Alves de Andrade, o “Doca”, apontado como um dos principais articuladores da facção nos últimos anos.
Segundo investigações da Polícia Civil e do Ministério Público do Rio de Janeiro, Doca é considerado um dos principais chefes do tráfico no Complexo do Alemão, área histórica de domínio do Comando Vermelho.
Mesmo com mandados de prisão e operações direcionadas a sua captura, o criminoso conseguiu manter o controle das rotas de drogas e armas na região, exercendo forte influência sobre comunidades e impondo regras de conduta típicas do “tribunal do crime”.
A trajetória de Doca representa a continuidade da lógica descentralizada do CV: ainda que antigos líderes como Fernandinho Beira-Mar, Elias Maluco e Marcinho VP estejam presos, novos nomes surgem e perpetuam o modelo de dominação que combina terror, assistencialismo e poder armado.
Presença dominante e herança social
Apesar das divisões internas e das derrotas pontuais, o Comando Vermelho segue sendo a facção mais poderosa do Rio de Janeiro. Domina Complexo do Alemão, Acari, Juramento, Dendê, Parada de Lucas, Dona Marta e outras áreas estratégicas.
Mais de quatro décadas após sua fundação, o CV se mantém como símbolo do crime organizado no Brasil — um poder paralelo que nasceu dentro das prisões e se espalhou pelas ruas, sustentado por falhas estruturais do Estado e pela ausência histórica de políticas públicas eficazes nas comunidades vulneráveis.
O lema “Paz, Justiça e Liberdade”, que um dia ecoou como grito de resistência, hoje sobrevive como ironia amarga nas vielas dominadas pela violência e pelo medo.
Hoje, o grupo investe desde a infância, identificando potenciais e garantindo a formação educacional e acadêmica, financiando campanhas eleitorais. Há registros de faccionados concursados nas três esferas do poder.










