A advogada catarinense, Giane Bello, terá seu nome em uma lei que tramita atualmente no Senado Federal. O PL 5109/2023 prevê alterações no Estatuto da Advocacia, garantindo medidas protetivas urgentes a advogados ameaçados ou agredidos em todo o Brasil. Giane Bello participou ativamente da elaboração do projeto de lei, que nasceu em 2023 após ser vítima de agressão no exercício da advocacia.
Pelo Estado: O PL 5109/2023 é o resultado de transformar um fato ruim em algo positivo para toda uma classe profissional. Como surgiu essa ideia?
Giane Bello: A advocacia é uma profissão que exige coragem e resiliência. Em 2023, vivi uma situação difícil. A parte contrária ao cliente que eu defendia me agrediu fisicamente, de maneira muito grave, deixando ferimentos e também muito medo de que essa agressão se repetisse. Apesar da gravidade, foi muito difícil e demorado para obter uma medida protetiva contra a agressora. O caso de violência que vivi, não é isolado e tem aumentado consideravelmente contra advogados e advogadas no exercício da profissão. Então, transformei essa situação ruim em construção coletiva. A partir dela nasceu o PL 5109/2023, que atualmente tramita no Senado Federal e prevê alterações no Estatuto da Advocacia para garantir medidas protetivas urgentes a advogados e advogadas ameaçados ou agredidos. É uma conquista fundamental para toda a classe, porque protege o profissional e dá condições para que ele continue a defesa do cidadão.
Pelo Estado: Quando esse projeto for aprovado e sancionado, passa a ser mais um direito da classe. Qual a sua visão sobre as prerrogativas dos advogados?
Giane Bello: As prerrogativas não são privilégios, mas instrumentos fundamentais para que a advocacia exerça seu papel com independência. Sem prerrogativas, o advogado fica fragilizado e isso compromete diretamente o direito de defesa do cidadão e de toda a sociedade. Há, infelizmente, no sistema judiciário um desconhecimento do tema e isso dificulta o trabalho do profissional, impedindo até o acesso aos autos, para dar um exemplo. É importante debater e fazer com que esse tema seja conhecido de todos. Defendo inclusive que as prerrogativas façam parte das capacitações dos agentes do sistema. Valorizar a advocacia é fortalecer toda a Justiça.
Pelo Estado: Quais os principais desafios da advocacia hoje?
Giane Bello: Os desafios são inúmeros e dizem respeito a um contingente de mais de 50 mil profissionais ativos apenas em Santa Catarina, que precisam ter asseguradas condições dignas para o exercício da profissão. Destaco alguns pontos, como a segurança no dia a dia da advocacia, que já falamos; a efetiva valorização das prerrogativas e a questão dos honorários. O Código de Processo Civil de 2015 trouxe um avanço importante ao estabelecer, no artigo 85, que os honorários sucumbenciais devem ser fixados entre 10% e 20% do valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa. No entanto, apesar dessa previsão legal, persiste a morosidade no pagamento, comprometendo a subsistência de muitos profissionais. Enfrentar esses desafios significa defender não apenas a dignidade da advocacia, mas também a cidadania, já que um advogado valorizado é essencial para a garantia dos direitos de todos.
Pelo Estado: a sua trajetória na OAB/SC é lembrada por iniciativas da defesa da classe e, também, de ações de impacto social, em especial em prol das mulheres. Pode nos falar um pouco dessas ações?
Giane Bello: Sempre acreditei que a advocacia não se limita ao exercício técnico, mas também ao compromisso social. Na OAB/SC, tive a honra de liderar iniciativas que aproximaram a advocacia da sociedade, como a estadualização do Projeto OAB por Elas, que levou atendimento jurídico especializado e escuta qualificada a mulheres vítimas de violência em todas as regiões do Estado. Também ajudei a estruturar protocolos estaduais e municipais que integraram a advocacia a temas sensíveis, como acolhimento jurídico, combate à violência doméstica e escuta de vítimas. Esse trabalho fortaleceu o reconhecimento da OAB como parceira estratégica do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública e de outros órgãos de justiça e de segurança, consolidando-a como protagonista em políticas públicas.
Pelo Estado: O combate à violência contra a mulher é uma marca da sua trajetória. Como a advocacia pode contribuir nesse tema?
Giane Bello: A violência familiar, seja contra a mulher ou contra crianças ou idosos, é um problema estrutural da nossa sociedade e exige respostas institucionais consistentes. Não é só uma questão social, esses casos impactam diretamente no judiciário. A advocacia tem papel central nesse processo, porque garante acesso à Justiça e acolhimento às vítimas. Meu trabalho sempre esteve voltado a criar pontes entre a advocacia e as instituições, fortalecendo redes de proteção. Entendo que a OAB tem responsabilidade de estar à frente desse debate, não apenas como observadora, mas como agente ativa na formulação e execução de políticas públicas. Essa atuação aproximou a Ordem da sociedade e fortaleceu a imagem da advocacia como defensora da cidadania.
Pelo Estado: Você acredita que outras instituições do sistema jurídico podem ter esse protagonismo também na estruturação de iniciativas sociais?
Giane Bello: Sem dúvida. Acredito que todo o sistema de Justiça pode e deve assumir esse protagonismo, porque a função social das instituições não se esgota dentro dos processos ou das decisões judiciais. O Tribunal de Justiça, por exemplo, tem um papel estratégico nesse sentido e pode ampliar sua atuação como indutor de políticas públicas, apoiar projetos de cidadania, educação em direitos e combate à violência. É fundamental aproximar ainda mais o Tribunal dessas iniciativas, em parceria com a advocacia, o Ministério Público, a Defensoria Pública e as forças de segurança, para que o resultado chegue diretamente à população. Quando o Judiciário se coloca como agente ativo no desenvolvimento de ações sociais, ele não apenas cumpre sua missão constitucional, mas se torna mais próximo, mais humano e mais conectado à realidade das pessoas.
Pelo Estado: Falando no Tribunal de Justiça, o processo para escolha de um novo desembargador pelo Quinto Constitucional está aberto. Como você vê esse pleito?
Giane Bello: O Quinto Constitucional é um dos mecanismos mais inteligentes da nossa Constituição, porque leva para dentro dos tribunais a experiência de quem vive diariamente os desafios da advocacia e do Ministério Público. Esse diálogo enriquece o Judiciário, trazendo sensibilidade prática, pluralidade e equilíbrio às decisões. Mais que uma previsão legal, o Quinto é um instrumento de aproximação da Justiça com a sociedade, porque garante que diferentes olhares estejam presentes na formação dos tribunais. É importante que os advogados de todo o Estado participem, conhecendo os candidatos, sua vivência, sua experiência para escolher quem melhor vai representar a advocacia no Judiciário.
Pelo Estado: Para finalizar, olhando para os próximos anos, como você vê a relação entre o Judiciário e a sociedade?
Giane Bello: Cada vez mais será plural, tecnológica e engajada. A modernização dos processos, o uso da inteligência artificial estão aí para tornar os processos mais ágeis e acessíveis, sem esquecer do lado humano. Eu acredito que o sistema Judiciário poderá utilizar as novas tecnologias para estar cada vez mais presente na vida do cidadão, seja na capital como no interior do Estado. Isso vai contribuir para um diálogo ainda mais amplo e acessível, aproximando cada vez mais a Justiça da realidade de Santa Catarina e, fortalecendo assim, não apenas as instituições, mas toda a democracia.