Gabrielle Brüggemann Schadrack, advogada tributarista
O chamado “Tarifaço”, imposto por Donald Trump aos produtos brasileiros exportados para os EUA tem movimentado o cenário econômico brasileiro. Para Santa Catarina, o impacto será significativamente negativo.
A Coluna conversou com a advogada tributarista Gabrielle Brüggemann Schadrack para entender os impactos e alternativas para as empresas catarinenses. Confira:
Pelo Estado – As tarifas impostas pelos Estados Unidos às exportações brasileiras têm respaldo jurídico sólido?
Gabrielle Brüggemann Schadrack – A base legal invocada pelo governo dos EUA para o chamado “tarifaço” é bastante frágil. Embora o Ato Executivo de 30 de julho de 2025 declare emergência nacional com fundamento na IEEPA e na NEA, a justificativa apresentada, que foi baseada em alegadas ameaças à liberdade de expressão e à segurança nacional decorrentes de atos de autoridades brasileiras, extrapola o uso tradicional desses instrumentos. A imposição de tarifas adicionais de 40% sobre produtos brasileiros, sem comprovação de práticas comerciais desleais ou riscos econômicos concretos, colide com regras da OMC, como o princípio da nação mais favorecida (art. I do GATT) e os limites tarifários negociados (art. II). A medida é nitidamente política e ideológica e, por isso, suscita dúvidas quanto à sua legalidade tanto no plano interno quanto internacional.
Pelo Estado – Dentro dos limites do direito internacional e também do direito brasileiro, quais são os caminhos para reagir a essas tarifas?
Gabrielle Brüggemann – O Brasil pode agir em três frentes. A primeira é a via da OMC, por meio de uma ação formal contra os Estados Unidos, argumentando que a medida viola os artigos I e II do GATT — que tratam, respectivamente, da cláusula da nação mais favorecida e das tarifas máximas permitidas. Essa via, apesar dos desafios atuais no órgão de apelação da OMC, preserva a legitimidade da reação brasileira.
A segunda alternativa está na Lei de Reciprocidade (Lei nº 15.122/2025), que permite contramedidas como tarifas adicionais, cotas e aumento de tributos setoriais. Embora tenha respaldo formal, a adoção unilateral dessas medidas sem autorização da OMC ou denúncia formal dos tratados pode gerar conflitos normativos internos. Isso abre margem para judicialização, especialmente por importadores que aleguem violação a tratados com eficácia no direito interno — inclusive normas tributárias protegidas pelo Código Tributário Nacional.
Por fim, há a via diplomática, que tende a ser a via mais rápida e eficaz para ajustar ou mitigar os efeitos da medida, especialmente com apoio de setores produtivos e empresas americanas também impactadas, mas exige articulação institucional firme e coordenada, algo que o Brasil tem demonstrado dificuldade em concretizar, o que limita a efetividade desse caminho justamente quando ele seria o mais estratégico.
Pelo Estado – Santa Catarina tem uma exposição significativa ao mercado americano. Como esse tarifaço afeta especificamente o estado?
Gabrielle Brüggemann – Os efeitos são especialmente severos para a economia catarinense. A FIESC realizou uma pesquisa no final de julho com cerca de 144 empresas — o que representa quase um terço dos exportadores regulares do estado para os Estados Unidos. A conclusão foi alarmante: setores como madeira, móveis, veículos, autopeças, equipamentos elétricos e compressores industriais, que são os principais exportadores catarinenses, estão entre os mais afetados.
O setor madeireiro, por exemplo, respondeu por 37% das exportações catarinenses para os EUA em 2024. Em algumas empresas, mais de 70% da receita vem exclusivamente do mercado americano. A pesquisa também revelou que muitas empresas já enfrentam redução nos pedidos, estão negociando queda de preços e muitas relatam suspensão de embarques e férias coletivas. Essas medidas impactam diretamente milhares de famílias no interior, onde a economia local depende fortemente dessas indústrias exportadoras.
Pelo Estado – Do ponto de vista prático, o que as empresas catarinenses podem fazer para mitigar os efeitos dessas tarifas?
Gabrielle Brüggemann – Existem algumas medidas que podem ser adotadas desde já. A primeira é revisar os contratos de exportação, especialmente as cláusulas que tratam de variações tarifárias e renegociação de preços. Em paralelo, é essencial fazer uma análise técnica da classificação fiscal dos produtos conforme o código tarifário dos EUA — o HTS. Muitos empresários ainda usam como referência a NCM brasileira, mas a equivalência entre os códigos é limitada e pode gerar enquadramentos incorretos e, por consequência, interpretação equivocada da incidência ou não da isenção à tarifa de 40%.
Pelo Estado – Existe alguma alternativa logística para os exportadores catarinenses, como por exemplo reencaminhar os produtos via um terceiro país, como o Uruguai, antes de chegarem aos Estados Unidos, para tentar mitigar essas tarifas?
Gabrielle Brüggemann – Na prática, essa estratégia de triangulação logística não resolveria o problema. O ato executivo do Trump deixa claro que as tarifas são calculadas com base na origem brasileira do produto, não importando por onde ele foi embarcado depois. Ou seja, mesmo se os exportadores catarinenses enviassem as mercadorias para o Uruguai e só depois para os Estados Unidos, as tarifas continuariam a ser aplicadas porque o produto ainda é de origem brasileira. Isso está em consonância com as próprias normas do GATT, que tradicionalmente baseiam as tarifas na origem do produto, e não na procedência.
Pelo Estado – A busca por novos mercados pode ser uma solução viável?
Gabrielle Brüggemann – Buscar novos mercados é sempre recomendável, mas não é uma resposta imediata. Muitos produtos exportados por Santa Catarina foram desenvolvidos ao longo de anos de relação comercial com clientes americanos, com adaptações técnicas, certificações e logística personalizada. Mudar esse destino exige tempo, planejamento e, muitas vezes, habilitação sanitária ou técnica para operar em outros países.
Ainda assim, várias empresas já estão tentando redirecionar parte da produção. Isso mostra um esforço de adaptação, mas o processo não é simples. Do ponto de vista jurídico, é importante revisar exigências regulatórias, adequar a documentação comercial e avaliar a proteção contratual nessas novas relações. Também vale a pena considerar políticas públicas que facilitem esse movimento de diversificação.
Pelo Estado – Quais medidas o governo de Santa Catarina pode adotar para apoiar as empresas atingidas?
Gabrielle Brüggemann – O governo estadual tem um papel fundamental no apoio imediato ao setor produtivo. Pode, por exemplo, articular com o BRDE e o BADESC a criação de linhas de crédito emergenciais, com foco especial nas pequenas e médias empresas com alto endividamento de curto prazo — situação revelada pela pesquisa da FIESC. Também pode seguir o exemplo de estados como São Paulo e Paraná, que estão permitindo a venda de créditos acumulados por exportadores a outras empresas para reforçar o caixa das indústrias locais.
Além disso, o Estado pode oferecer suporte técnico para análise tarifária, interpretação de listas de exceções e orientação sobre regimes aduaneiros. Estruturar núcleos de internacionalização também é medida estratégica para ajudar empresas a superar barreiras técnicas em mercados alternativos. Por fim, manter diálogo permanente com o governo federal é indispensável para garantir que as particularidades da produção catarinense sejam contempladas nas respostas nacionais à crise.
Pelo Estado – O que está em jogo, juridicamente e economicamente, se o Brasil não reagir a essa medida?
Gabrielle Brüggemann – Há muito em jogo. Do ponto de vista jurídico, aceitar passivamente uma tarifa com motivação política enfraquece o sistema de comércio internacional e os compromissos firmados pelo Brasil, especialmente os princípios da OMC. Isso abre precedente perigoso para que outros países adotem medidas semelhantes, sem base legal, investigação ou diálogo, afetando a previsibilidade das relações comerciais.
No campo econômico, os impactos já começaram a aparecer: retração de pedidos, renegociação forçada de contratos e paralisação de embarques. Se o país não reagir de forma coordenada, o risco é aprofundar a perda de competitividade em mercados estratégicos, como o americano, o que pode levar à redução de investimentos, fechamento de fábricas e aumento do desemprego, especialmente em estados exportadores como Santa Catarina, onde muitas cidades dependem diretamente dessas indústrias.
Por isso, é essencial que a resposta brasileira seja estrategicamente construída, envolvendo o governo federal, os estados e o setor privado. A omissão agora pode custar caro no futuro.