Por Iara Lúcia de Souza, advogada criminalista
O uso de câmeras corporais por agentes de segurança pública tem sido uma tendência crescente em muitos países, e no Brasil não é diferente. As câmeras acopladas aos uniformes policiais trazem diversos benefícios, tanto para a proteção dos cidadãos quanto para a segurança dos próprios policiais. Este artigo aborda a importância desse equipamento na atuação policial, com ênfase na experiência da Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC), onde a implementação das câmeras corporais começou promissora, mas culminou em seu encerramento, evidenciando as dificuldades encontradas e questionando o impacto da descontinuação.
As câmeras corporais surgem como uma ferramenta crucial para aumentar a transparência das ações policiais. Elas proporcionam uma visão mais objetiva de como se desenrolam as ocorrências, auxiliando tanto na análise criminal quanto no controle das ações dos agentes. Entre os principais benefícios do uso das câmeras corporais estão:
Qualificação das Provas: As gravações realizadas pelas câmeras fornecem um registro visual e sonoro das ocorrências, o que pode ser utilizado como prova em investigações e processos judiciais, contribuindo para a efetividade da análise criminal.
Proteção dos Policiais: O registro das ações também serve como um instrumento de proteção para os próprios policiais, em casos de falsas acusações de abuso ou má conduta, evitando injustiças e salvaguardando sua integridade moral.
Aumento da Transparência: As câmeras corporais aumentam a fiscalização das ações policiais, garantindo que o uso da força e outros procedimentos sejam adotados conforme as normativas legais, inibindo possíveis abusos e garantindo a confiança pública.
Redução do Uso da Força: Ao saber que estão sendo filmadas, as pessoas em situação de conflito com a lei tendem a se comportar de maneira mais comedida, diminuindo a necessidade do uso da força pelos policiais.
Em 2018, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) firmou um convênio com a PMSC, no valor de R$ 6.207.616,00, para a execução do projeto “Câmeras Policiais Individuais”. A expectativa era de que as câmeras fossem um avanço tecnológico que resultaria em maior segurança tanto para os cidadãos quanto para os policiais.
Contudo, dificuldades surgiram logo no início. O prazo para implementação do projeto precisou ser prorrogado para abril de 2019, e, após a compra de equipamentos e sua distribuição, a PMSC enfrentou uma série de desafios técnicos e operacionais. Ainda que o projeto tivesse como objetivos claros a proteção dos agentes e a qualificação das provas criminais, os contratempos tecnológicos e a resistência por parte dos policiais começaram a minar a sua eficácia.
A operação das câmeras não ocorreu conforme o planejado. A PMSC, em 2020, chegou a um acordo com o TJSC para o retorno aos termos iniciais do convênio, que incluíam o acionamento automático das câmeras no início das ocorrências, sem necessidade de ativação por parte dos policiais. Mesmo com a criação de uma comissão envolvendo o Judiciário, a PMSC e o Ministério Público para ajustes futuros no projeto, a frustração com o uso dos equipamentos persistiu. O investimento alto, de aproximadamente R$ 3 milhões, não resultou nos avanços esperados.
Entre as razões que levaram ao fracasso do projeto estavam a falha em automatizar a gravação das ocorrências e a desconfortável obrigação de uso para os policiais, que passaram a ser responsabilizados por falhas no acionamento das câmeras. Com a crescente insatisfação, a PMSC derminou o recolhimento de todos os equipamentos e iniciou estudos para encontrar novas soluções tecnológicas mais alinhadas com os interesses institucionais.
O encerramento do uso das câmeras corporais pela PMSC é um retrocesso. O projeto, que inicialmente foi saudado como uma inovação, acabou não trazendo os resultados esperados, mas isso não invalida a importância das câmeras corporais no contexto de segurança pública. O episódio deixa questionamentos: por que não foi feito um estudo aprofundado para ajustes no sistema antes de encerrar seu uso? O que será feito com os equipamentos adquiridos? E, sobretudo, como fica a responsabilidade com o dinheiro público investido?
A descontinuidade do projeto reflete uma oportunidade perdida de melhorar a transparência e a eficiência das operações policiais. Em vez de descartar os equipamentos, o ideal seria reavaliar as causas do fracasso, ajustar os sistemas, ouvir os agentes envolvidos e implementar melhorias.
O futuro da segurança pública exige soluções tecnológicas que equilibrem a preservação da ordem com o respeito aos direitos fundamentais, e as câmeras corporais continuam sendo uma ferramenta valiosa nesse processo.
O uso de câmeras corporais pelas forças policiais não deve ser visto como um fardo, mas como um meio de garantir mais transparência, justiça e segurança.
A experiência da PMSC com as câmeras corporais evidencia que, para que uma política pública seja eficaz, é essencial um planejamento robusto, uma execução cuidadosa e a disposição de ajustar o curso quando surgirem obstáculos. O que se espera é que as lições aprendidas com este projeto possam guiar futuras tentativas de modernização e aprimoramento do trabalho das forças de segurança pública, sempre com o objetivo de servir e proteger a sociedade com ética e responsabilidade.