Por Pedro Henrique Acadrolli Rizzardi. Mestrando em Processo Civil (UFSC). Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Professor do Centro Universitário Leonardo da Vinci (UNIASSELVI). Sócio do escritório Branco e Rizzardi Advogados.
A recente derrubada, pelo Congresso Nacional, do decreto que aumentou as alíquotas do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) gerou intenso debate jurídico e político. Trata-se de uma decisão que tem desdobramentos relevantes para a economia, para a estabilidade entre os poderes e, especialmente, para a previsibilidade tributária do país. A comunidade jurídica tem acompanhado com atenção o desenrolar desse episódio, não apenas pelo aspecto técnico, mas pelos reflexos mais amplos que ele pode gerar sobre o ambiente de negócios e sobre a relação entre contribuinte e Estado.
O IOF é cobrado sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários. Trata-se de um tributo concebido pela Constituição Federal para servir como instrumento de intervenção direta na economia, visando proteger os interesses nacionais. Por isso, sua natureza é considerada extrafiscal, ou seja, tem a finalidade principal de regular determinadas atividades econômicas.
Para dar efetividade a esta finalidade extrafiscal é que a própria Constituição Federal (art. 153, § 1º) prevê a possibilidade de o Poder Executivo alterar suas alíquotas por decreto, o que garante certa agilidade em decisões de política econômica. Por outro lado, todo tributo tem também finalidade fiscal, isto é, a de servir como receita para os cofres públicos, e não é diferente com o IOF. É entre as duas funções que reside a polêmica atual.
Diante de projeções dando conta do não atingimento da meta fiscal fixada para 2025, o Governo Federal tomou a decisão de aumentar as alíquotas do IOF incidente sobre certas operações financeiras, motivo de inconformismo do mercado financeiro e do Congresso Nacional. Trata-se do Decreto nº 12.499/2025. Não se pode dizer que esta estratégia contenha algo de novo, entretanto.
É que o IOF tem sido historicamente utilizado por governos de todos os matizes ideológicos com finalidade fiscal, ou seja, arrecadatória. Para ficar com dois exemplos: (i) em 2008, houve aumento de alíquotas do IOF para compensar a perda de receita decorrente da revogação da antiga CPFM (Decreto n. 6339/08); (ii) mais recentemente, em 2021, o Supremo Tribunal Federal avalizou o aumento do IOF por decreto presidencial (Decreto n. 10.797/2021) para o custeio do programa Auxílio Brasil.
Apesar deste histórico favorável ao Governo, o Congresso entendeu que o aumento extrapolaria os limites razoáveis do poder regulatório do Poder Executivo e decidiu sustar o decreto, fundado no art. 49, V da Constituição Federal. O motivo da sustação foi o de que a decisão do Governo desvirtuaria a finalidade do imposto e, por este motivo, seria ma normativa inconstitucional.
Trata-se de uma fenomenologia da já existente crise dos Poderes da República, que neste episódio agora recebe seu último integrante: o Supremo Tribunal Federal. Isso porque a Advocacia Geral da União (AGU) já ajuizou perante a Corte duas ações constitucionais para defender a constitucionalidade da medida do Governo e a inconstitucionalidade da sustação procedida pelo parlamento.
O que este episódio revela, na verdade, é a influência política direta na definição dos contornos jurídicos da real finalidade do IOF. Caberá ao Judiciário a difícil missão de sanar o impasse que se instaura entre, de um lado, a manutenção do equilíbrio fiscal como mote governamental e, de outro, o argumento do desvio de finalidade de um tributo cuja função deveria ser regulatória.
À sociedade cabe acompanhar o desenrolar do julgamento perante o STF, cujas recentes decisões indicam a preservação do poder regulatório executivo.