A juíza corregedora do presídio de Araranguá, Livia Borges Zwetsch Beck, titular da 2ª Vara Criminal da Comarca, em decisão proferida na data de 28/11/2023, determinou a elaboração e deflagração pelo Estado de Santa Catarina de edital para contratação de empresa especializada para execução da obra de construção da unidade prisional de Araranguá até o dia 30/12/2023.
Ainda, em 11/12/2023, em razão da falta de servidores, a juíza corregedora determinou que o Estado de Santa Catarina preste informações a respeito do quadro de cargos efetivos da SAP, para posterior análise da situação do concurso vigente e a conveniência dos atos administrativos, uma vez que a 1ª chamada para nomeação dos aprovados no concurso público regido pelo Edital n. 01/SAP/2022 não contemplou o Presídio Regional de Araranguá.
A interdição
Em 2014, o então juiz corregedor da Comarca de Araranguá, Luís Felipe Canever, determinou a interdição total do Presídio Regional de Araranguá e proibiu o ingresso de novos presos no estabelecimento até que a lotação chegasse ao máximo de 200 pessoas, divididas em 150 homens e 50 mulheres. Ele estabeleceu a data de 1º de julho daquele ano para o cumprimento da decisão, resultado de processo administrativo instaurado pelo Ministério Público em julho de 2013, diante de motim registrado na unidade.
Ao determinar a interdição, Canever apontou que o Presídio mostrava-se completamente inadequado para a finalidade a que se destinaria, ante a situação de lotação, número de servidores por preso, salubridade e segurança do local, que não atendiam o mínimo necessário para um tratamento digno aos que lá se encontravam cumprindo pena ou aguardando julgamento. Também, por não fornecer segurança mínima para os que lá trabalham e de tranquilidade para a população da comarca e da região.
Construção da nova casa prisional
Conforme observado pela juíza, as ultrajantes condições do ambiente destinado ao abrigamento de presos provisórios e definitivos de 15 (quinze) municípios da região sul é o mesmo local em que servidores e Policiais Penais exercem suas funções.
No Presídio Regional de Araranguá, os policiais ainda trabalham em contato direto com os detentos, e a precária estrutura do prédio e a superlotação da população carcerária, da qual se destacam presos pertencentes a diferentes facções criminosas, ensejam a triste conclusão de que esses servidores, lá sobrevivem, pela conveniência dos reclusos em acatar a ordem e disciplina.
Em setembro deste ano, a juíza corregedora do presídio de Araranguá, Livia Borges Zwetsch Beck, solicitou informações atualizadas sobre a execução da obra da casa prisional e do procedimento licitatório, que fossem anexados ao processo documentação e novo cronograma referente ao projeto de construção da nova unidade prisional, indicação das providências adotadas para implementação das previsões com relação à disponibilização de profissionais da saúde e da área de assistencial social, bem como sobre profissionais da Comissão Técnica de Classificação.
Sobre o procedimento licitatório para contratação de empresa especializada para execução das obras de construção do novo Presídio/Penitenciária de Araranguá, conforme decisão, “o Estado limitou-se a informar que devido ao lapso temporal desde a deflagração do procedimento licitatório, a “atual gestão” entende necessário revisar o procedimento”.
Segundo consta da decisão, o Presídio Regional de Araranguá tem a mesma estrutura física há mais de 30 anos, há uma década está interditado judicialmente, suas dependências são antigas, precárias e insalubres, tanto para os internos quanto para os agentes prisionais, todos expostos a condições indignas, convivendo com a superlotação carcerária e com a insegurança. Não há motivos que justifiquem a protelação do lançamento do edital de licitação para contratação da empresa especializada para demolição e construção da nova Penitenciária/Presídio de Araranguá, e a inércia injustificada da Administração Pública, entre janeiro e agosto de 2023, não será aceita como motivo para prorrogação do prazo final de entrega da obra, conforme cronograma apresentado.
Nas palavras da juíza: “Constatada a precariedade e a insalubridade do Presídio de Araranguá, há mais de uma década, contemplando ocorrências lastimáveis de violações de direitos humanos, a contratação de empresa e o imediato início dos trabalhos de construção de uma nova unidade prisional não é uma pauta prioritária “desse atual governo”, mas da Administração Estadual”.
Assim, a magistrada determinou a elaboração e deflagração do edital para contratação de empresa especializada para execução da obra de construção da unidade prisional de Araranguá até o dia 30/12/2023, conferindo ao Estado prazo improrrogável de 15 dias para apresentar cronograma atualizado, com previsão de execução e conclusão da obra até a data limite estabelecida no cronograma original, sob as penas da lei.
Falta de servidores: médico, assistente social e psicólogo
“Não bastasse a precariedade do imóvel, atualmente não há profissionais médicos, psicólogos e assistentes sociais lotados no Presídio Regional de Araranguá”, salientou a juíza.
Segundo a Lei de Execução Penal, todo estabelecimento penal é obrigado a manter em seus quadros, no mínimo, 2 (dois) chefes de serviço, 1 (um) psiquiatra, 1 (um) psicólogo e 1 (um) assistente social para compor a Comissão Técnica de Classificação, uma equipe interprofissional responsável pela classificação dos detentos e pela elaboração de um programa específico para cada preso, provisório ou definitivo.
A Comissão Técnica de Classificação que atuava no PRA era composta por agentes contratados temporariamente pelo Estado, que foram afastados de suas funções em razão do julgamento de mérito de Ação Direta de Inconstitucionalidade, fato que ensejou a extinção da CTC na unidade prisional.
Os apelos da Direção do PRA juto à SAP, desde então, lhes rendeu apenas a cessão, por dois dias da semana, de uma Assistente Social, lotada no Presídio de Tubarão, e de um médico da rede pública, cedido pelo município 1 vez por semana; cujos profissionais nitidamente não possuem condições de atender uma demanda envolvendo aproximadamente 360 presos.
Vigente o Concurso Público regido pelo Edital n. 01/SAP/2022, com candidatos aprovados e aptos para nomeação na região sul, ciente da penosa situação do PRA, da interdição judicial, do afastamento dos ACTs em razão do julgamento da ADI, e, por conseguinte, da extinção da Comissão de Classificação Técnica no Presídio Regional de Araranguá, o Estado de Santa Catarina proveu as 5 (cinco) vagas existentes para unidade diversa, deixando de minimizar as mazelas enfrentadas pelo PRA. Como registrado pela magistrada:
“Veja-se, podendo amenizar os problemas da unidade prisional, o Estado novamente fecha os olhos e desvia seus recursos do Presídio Regional de Araranguá. Como quando um reeducando é preso em flagrante, durante o cumprimento de uma pena ou no exercício de algum benefício penal, assim também essa recente conduta do Estado evidencia a falta de esforço para promover o bem comum, demonstrando sua total ausência de comprometimento com o sistema de justiça.
Na qualidade de Corregedora do Presídio Regional de Araranguá, e assim o faço exercendo função institucional, assinalo que a ausência de Comissão Técnica de Classificação na unidade viola direito fundamental da pessoa privada de liberdade quanto à individualização da pena (CF, art. 5º, XLVI, XLVIII, XLIX), descumpre obrigação assumida pelo Estado prevista na Convenção Interamericana de Direitos Humanos (art. 5º), e também Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Preses estabelecidas no Tratado de Mandela.
Não há como admitir a perpetuação desse cenário e/ou a possibilidade de o ergástulo manter-se em funcionamento sem Comissão Técnica de Classificação, a qual é expressamente prevista na Lei de Execução Penal. Certo é que a sua ausência constituiu omissão da Administração Pública quanto à obrigação imposta por lei, não havendo espaço para o exercício do poder discricionário […]”
Embora o concurso não tenha contemplado a seleção de psicólogos para a região sul, em atenção aos princípios da boa-fé, probidade e moralidade, a magistrada determinou que o Estado de Santa Catarina justifique e aponte os parâmetros observados no provimento de vagas em unidade outra que não o Presídio Regional de Araranguá, para posterior análise da situação do concurso vigente e da conveniência dos atos administrativos, assim como das medidas necessárias ao cumprimento da Lei.
Ainda, para suprir a inércia e a omissão do Estado de Santa Catarina, bem como amenizar os problemas da unidade prisional, a juíza nomeou peritos para atuarem nos cargos de assistente social, médico e psicólogo.
O que diz o Estado
Em Nota Oficial a Secretaria de Administração Prisional e Socioeducativa (SAP) informa que o Presídio Regional de Araranguá possui 90 presos provisórios, 103 em regime fechado e 148 em regime semiaberto, totalizando 341 pessoas custodiadas na unidade que conta com 244 vagas (39,7% acima da capacidade). A atual administração está atuando para garantir a segurança do estabelecimento e os direitos básicos de todos os apenados, frente aos desafios estruturais do presídio.
A construção de uma nova penitenciária no terreno anexo está em fase de instrução do processo licitatório e solucionará definitivamente a situação com a desativação e demolição da antiga estrutura. De igual forma, a Secretaria está estudando alternativas legais que possam conferir maior celeridade na execução da obra.
Além disso, após a decisão da Juíza-Corregedora, o Secretário da Pasta e a Diretora-Geral do Departamento de Polícia Penal já se reuniram com a magistrada para tratar de todas as pautas apontadas e todas as informações e detalhamentos das providências estão sendo compartilhadas com o Poder Judiciário. Além de Araranguá, um plano de novas construções em todo o Estado já está sendo discutido com o Governo.
A SAP reitera o seu compromisso em atuar com responsabilidade e firmeza na garantia de um sistema penitenciário mais justo e não medirá esforços para cumprir sua missão institucional com o devido respeito a todos os processos e prazos legais.