Você ingere veneno quando… negligencia os efeitos acumulativos das escolhas alimentares, emocionais e ambientais que compõem sua rotina diária. O conceito de veneno, outrora limitado à ingestão de substâncias químicas agudas e letais, precisa ser expandido para incluir elementos crônicos, insidiosos e socialmente normalizados. Alimentos ultraprocessados, carregados de aditivos e açúcares refinados, são um exemplo emblemático: não matam imediatamente, mas agem silenciosamente sobre o metabolismo, contribuindo para inflamações sistêmicas, resistência à insulina e doenças degenerativas. O mesmo pode ser dito do ar poluído, da água contaminada ou de longas exposições a ambientes com altos níveis de estresse psicológico.
A toxicologia moderna já não pode ignorar os chamados “venenos comportamentais”. Ingestões repetidas de pensamentos negativos, ambientes tóxicos e relações interpessoais abusivas impactam o organismo por meio do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, elevando os níveis de cortisol, comprometendo o sistema imunológico e acelerando processos de envelhecimento celular. Estudos recentes em neuropsicobiologia mostram que experiências emocionais negativas prolongadas alteram a expressão gênica via mecanismos epigenéticos, perpetuando estados de adoecimento sem que uma substância física jamais tenha sido ingerida.
Além disso, é crucial observar como a sociedade contemporânea embala esses venenos em discursos de produtividade, estética e eficiência. O consumo excessivo de cafeína, por exemplo, pode ser romantizado como “combustível para mentes brilhantes”, enquanto mascara quadros de ansiedade e insônia. Redes sociais, aparentemente inofensivas, estimulam descargas constantes de dopamina que reforçam ciclos de dependência emocional e fragilidade identitária. Esses “venenos sociais” atuam sutilmente, mas com potência epidemiológica comparável a fatores de risco mais clássicos como o tabagismo.
Portanto, o conceito de veneno precisa urgentemente ser revisto sob a lente da complexidade biológica e social. Ingerimos veneno quando nos desconectamos do nosso corpo, do nosso tempo e da nossa consciência crítica. A toxicidade não está apenas na composição química de uma substância, mas também em seu contexto de uso, frequência de exposição e, sobretudo, naquilo que ela simboliza dentro de um sistema que frequentemente valoriza o desempenho em detrimento da saúde. Reeducar o olhar para o que de fato nos envenena é um imperativo não apenas clínico, mas também ético e cultural.