Se há algo que me traz nostalgia, é o amanhecer no interior. Quando menina, eu entrava na cozinha e já lá estava o bule de café na chapa quente do fogão à lenha. A rotina era a mesma. Todos os dias eu e os meninos pegávamos o tal “mata-bicho” (bebida para quebrar o jejum) e íamos nos sentar ao sol. Ah que saudades de momentos assim. Se fechar meus olhos agora, ainda consigo ver cada imagem como se fosse agora. Se me aprofundar nessa lembrança, eu creio que até consigo sentir o cheiro do café fresco na caneca em minhas mãos. Quão profunda é essa memória! Tão vívida e tão intensa!
Algumas vezes, quando a vida parece seguir naquele compasso de cachorro tentando agarrar o próprio rabo, eu viajo até lá mentalmente. É como um escape. Uma saída de emergência na busca de um momento único e feliz.
Nostalgia para algumas pessoas pode retratar a saudade de uma forma triste. Não para mim! Ela é um sentimento que vem de dentro e muitas vezes estampa-se no rosto, num sorriso delicado nos lábios. Ela surge do nada às vezes, mas traz junto cheiro e cores de um momento especial, que fica até difícil explicar. Só quem sente entende.
Mas vamos falar de rotina! Não existe compasso certo quando a rotina do dia a dia nos enlaça logo cedo e só nos solta no final do dia, quando então a exaustão nos joga na cama. Às vezes eu não entendo o porquê queremos crescer tão rápido quando criança. Temos uma certa ansiedade de chegar a maior idade, de ter nosso próprio dinheiro e liberdade. Que doce ilusão! A gente foca num alvo e se concentra em chegar lá e acabamos por não nos dar conta que a melhor parte, é observar as pedras e as flores no caminho.

Outro dia me dei conta disso enquanto dirigia para o trabalho. Não me pergunte como, pois só sei lhe responder que cheguei ao meu destino em segurança, porém não me lembro do percurso. Minha mente viajou e se transportou para um momento nostálgico da minha infância. Confesso que me assustei com a situação. Estamos tão habituados a certa rotina, que nossa mente sabe exatamente para onde e como ir.
Ainda recordando meus tempos de menina, e aquela manhã ensolarada com meus irmãos, lembro-me da simplicidade que envolvia a alma à medida que o sol tocava nossa pele e nos aquecia. Segurando a caneca de café, a gente gargalhava sem saber o que o futuro nos reservava e sem ter noção que meu irmão Gilmar seria o primeiro a partir, ainda jovem, num acidente no trânsito.
Ah, se eu pudesse imaginar! Eu o abraçaria mais forte e não me zangaria a cada vez que ele mostrava rebeldia. Ele era sapeca, mas de um coração enorme. Apesar de hoje aceitar a morte como um recomeço e não fim, a partida inesperada causa uma dor muito forte.
Mas vamos falar de coisas menos complicadas que a morte. Um dia chegará a minha vez e quero ter certeza de que deixei marcas positivas na vida de cada pessoa que amei e até mesmo naqueles que não souberam apreciar meus esforços.
O café estimula a mente e o sol nos proporciona vitamina D que torna nossos ossos e sistema imunológico mais fortes. Porém as lembranças agradáveis da nossa infância servirão de terapia para o resto de nossas vidas. Quando o estresse tornar nosso dia mais amargo, essas lembranças trarão mais doçura e ternura. Basta fechar os olhos por alguns minutos e deixar-se levar pela imagem de um dia feliz. Essa habilidade de transportar-se mentalmente tem um valor inestimável porque ao nos sentirmos envolvidos pela agradável lembrança, sentimos a gratidão no coração e nosso cérebro libera dopamina (substância química, neurotransmissor que estimula o sistema nervoso central) que nos torna mais felizes e fortalece nosso sistema imunológico.
O caminho para a escola tinha seus altos e baixos, no entanto só os altos permanecem em minha memória. Lembro-me de compartilhar caminhada com as amigas de infância que mais tarde voltei a reatar laços, na verdade jamais desfeitos. Tanto a ida como a volta pareciam curtas devido ao prazer de caminhar passo a passo com Christhina e Sandra. Tinha também a Néia que se mudou para outro estado naquele ano. Cristã evangélica, Néia era aquela menina linda e de cabelos longos que estendia a roupa no varal enquanto cantava canções gospel. Eu me encantava ao vê-la feliz.
Christina, Sandra e eu nos reuníamos nos finais de semana para brincar. Mas quando chegou o meu aniversário num dia de chuva forte, Christhina foi a única a aparecer. Eu tinha razões para me frustrar e me decepcionar com as meninas que não compareceram e eu poderia ter guardado rancor em meu coração. No entanto, guardei o melhor daquele dia pois eternizou-se em minha mente e coração, a lealdade e companheirismo de Christhina que enfrentou a chuva para estar comigo. Ela diz que não lembra disso. Sabe por quê? Porque quem faz o bem às vezes não se dá conta da sua intensidade, mas quem o recebe, o guarda como quem guarda uma joia preciosa.
A rotina de hoje pode até me intimidar às vezes, mas busco o melhor para criar memórias saudáveis assim como as da infância. Eu espero envelhecer bem e um dia recordar o dia de hoje com gratidão de tê-lo vivido com toda a intensidade possível. E você? Diante da sua rotina muitas vezes complicada ou acelerada, qual momento poderá reservar para sentir o cheiro das flores ao longo do caminho? Ainda que não haja flores, que tal apenas olhar em volta e agradecer por tudo o que tem ao invés de acelerar o passo em direção ao que muito quer alcançar?
Assim como encontro paz e tranquilidade nos momentos de nostalgia, deixando que as imagens da infância brinquem em minha mente tocando o meu coração, o “aqui e agora” me traz aconchego na alma quando deixo uma brisa tocar minha pele e o cantar de um pássaro sussurrar em meus ouvidos.
Você também pode encontrar refúgio em momentos assim. Tire o pé do acelerador quando o dia parece curto demais para a sua longa lista do que fazer. Segure sua xícara de café ou chá como se cada minuto pudesse valer uma eternidade e sinta o aroma deixado no ar. Respire fundo! Inale e exale! Você não precisa de companhia, a sua basta! Um gostoso bate-papo pode adicionar mais doçura aos momentos que se eternizaram no seu coração, mas atitudes e palavras negativas podem azedar também. Na dúvida, escolhe estar só. Valorize o tempo só seu! Os benefícios são incalculáveis!