Em 1968 fui trabalhar no Banco do Brasil, em Candelária(RS). Um ano após eu passei num concurso interno e fui promovido, o que me possibilitou assumir um cargo melhor. O gerente me chamou em seu gabinete e perguntou-me se eu gostaria de ser Fiscal do Banco. Eu teria que visitar os clientes com financiamentos para lavoura, pecuária e indústria. Viajaria muito. A jurisdição da agência abrangia também os municípios de Sobradinho e Arroio do Tigre. O Banco me pagaria, além do salário, que já era bom, mais comissão pelo cargo, diária para alimentação e um valor por quilometragem percorrida. Aceitei.
Não tinha horário, apenas uma produção mínima de visitas. Eu gostava de viajar pelo interior. Andar ao ar livre. Alguns colegas não. Preferiam serviço interno, onde andavam mais bem arrumados, limpos e protegidos das intempéries. Eu me sentia um rei; usando botas, calça jeans, jaqueta de couro e chapéu, o que eu gosto até hoje. Às vezes o carro atolava no barro ou acavalava nas pedras dos arroios e rios. Eu descia e ia pela água ou pelo barro atrás de um trator ou uma junta de bois para puxá-lo. Destruí uma dezena de fuscas em dez anos. Eu amava tudo aquilo.
Naquele tempo e por lugares remotos não havia restaurantes. Eu costumava levar lanche. Acontece que aquele pessoal do campo era muito hospitaleiro. Jamais permitiriam que a gente saísse de sua propriedade, após as 11 horas, sem almoçar. Se sentiriam ofendidos. Disto no Banco já me haviam alertado. A maioria das comidas era muito boa. Caseiras. Também almocei em propriedades humildes, de pequenos agricultores. Aí a alimentação era precária. Eu muito me comovia ao ver o quanto eles se sentiam honrados com a minha presença às suas mesas.
Eu sempre, desde criança, gosto muito de feijão preto com arroz e qualquer outro acompanhamento. As donas de casas nos consideravam uma visita. Queriam nos agradar ao máximo e caprichavam nas comidas. Quase sempre matavam uma galinha na hora ou faziam carne de porco na panela. Tudo no maior capricho.
O município de Sobradinho é famoso pela excelente qualidade do feijão preto. Num ranchinho bem singelo fui convidado a almoçar. Aceitei, claro. Eu estava com fome e esperava comer aquele feijãozinho que eu tanto aprecio. Me servi do arroz e da carne de porco, deixando um espaço para o feijão. Meus olhos brilharam quando ela trouxe uma terrina fumegante. É o feijão! Pensei. E logo me servi de uma boa porção com bastante caldo. E me atraquei a comer.
A dona da casa me disse: – “Engraçado! O senhor é que nem eu; gosta de comer doce com salgado!” Fiquei estarrecido e notei que, agora sim, vinha uma panela com feijão preto. O que eu me havia servido fora doce de pêssego caseiro, o qual por algum motivo que eu ignoro, ficava com uma cor amarronzada. Quase chorei, juro. Mas comi tudo, menos o feijão, pois este ficou na panela. Jamais eu iria magoá-la. É para vocês verem o que a gente fazia por amor à Casa onde trabalhava e representava.