Dias de chuvas são bons para se dar uma organizada na casa. Remexer gavetas, pôr fora velhos papéis, enfim. Movimentando-se lentamente Branca ia tirando o pó dos livros, colocando-os em ordem, deixando bem à mão aqueles que gostava de reler. Cada exemplar que pegava olhava a capa, a contracapa, dava uma folheada e o recolocava na estante. De repente, surpreendeu-se ao ver um velho livro de História do tempo de ginásio. Pegou-o com carinho e foi lhe tirando o pó. Com um terno sorriso nos lábios lembrava da sua adolescência.
Lá numa determinada página encontrou um cartão amarelado pelo tempo, onde havia um bilhetinho. Não acreditou que o tivesse guardado. Nem lembrava mais. Era de um namoradinho que marcara um encontro com ela. Ao qual não compareceu. Sentou-se numa poltrona com o livro no colo. Pegou o cartão e leu o texto: – “Branca, preciso falar contigo para decidir sobre o nosso namoro. Te espero na saída do teu trabalho, na parada do ônibus. Beijo. Miguel.” Foi seu primeiro namorado, na década de 1950. Ela tinha em torno de quatorze anos. Ele um pouquinho mais.
O namoro começara ainda na infância de ambos. E durou um bom tempo. Os dois se acertavam muito bem. Andavam sempre juntos. Ela era bonita, alegre, romântica e irreverente. Seus gostos se assemelhavam. Conversavam sobre filmes, livros, poesias e músicas. Riam de tudo… E de nada. No dia em que não se viam quase morriam de saudade um do outro. Ele a esperava todos os dias na saída do colégio. Aos sábados reuniões dançantes. Aos domingos iam à missa de manhã e, à tarde, ao infalível matinê. O namoro esfriou ao terminarem o ginásio e deixarem de ser colegas de colégio. Ela teve que trabalhar. Então passaram a ver-se e a conviver menos.
Como toda mulher, Branca ficou adulta mais cedo. Ao trabalhar ela conheceu o filho do chefe, Mário. Bem mais velho do que ela e já com a vida encaminhada. Imagine! Tinha até automóvel. Ela nem lembrava bem como tudo aconteceu. Quando viu estava namorando Mário. Naquele tempo se achava que uma moça era obrigada a casar cedo. Um bom partido jamais deveria ser desperdiçado. Dentro da cultura da época e ante as pressões da família e pessoas amigas, acabou por solidificar o namoro com Mario. Afinal, este era sério, honesto e trabalhador. Foi justamente nesta fase que recebeu o bilhetinho do Miguel.
Ela sentia saudade do Miguel, pois nunca mais o vira. Também era jovem demais para avaliar a sua realidade. Não foi ao encontro, com medo de perder o bom casamento com Mário, assim acabou casando-se com ele. O tempo passou, teve filhos e netos. Separou-se e consolidou uma segunda união. Agora, porém, tinha sessenta anos. Viveu momentos felizes… Outros nem tanto. Meditando, se perguntava: Como teria sido sua vida se tivesse ido ao encontro marcado? Fechou os olhos e duas lágrimas lhe escorreram pela face. Quem será que traça os desígnios dos nossos destinos?