Em uma década, o número de estudantes diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista (TEA) nas escolas brasileiras deu um salto significativo. Segundo o Censo Escolar 2024, do Ministério da Educação, o total de alunos com autismo em instituições regulares subiu de 41.194, em 2015, para 884.403 neste ano. O aumento, porém, não representa um “surto” da condição, mas sim uma combinação de maior conscientização, novas tecnologias de triagem e qualificação dos profissionais de saúde e educação.
A cientista e neuropsicopedagoga Silvia Kelly Bosi, especialista em desenvolvimento infantil e fundadora da Potência – Clínica de Desenvolvimento Infantil, explica que o olhar atento de pais e educadores tem sido essencial para identificar sinais precoces. “Hoje, muitas crianças são encaminhadas para avaliação clínica antes mesmo do ensino fundamental. Há uma sensibilidade crescente aos marcos do desenvolvimento – como ausência de resposta ao nome, atraso na fala ou comportamentos repetitivos”, afirma.
Na clínica, Silvia realiza um trabalho minucioso de avaliação multidimensional, combinando escuta qualificada da família com a aplicação de protocolos internacionalmente reconhecidos. Um dos primeiros recursos utilizados com crianças pequenas é o M-CHAT-R/F (Modified Checklist for Autism in Toddlers, Revised with Follow-Up), um questionário validado que rastreia sinais de risco em crianças entre 16 e 30 meses. Em casos de risco moderado ou alto, uma segunda etapa de perguntas ajuda a reduzir falsos positivos e orientar o encaminhamento.
Outro instrumento de destaque é o SRS-2 (Social Responsiveness Scale – Second Edition), que mensura sintomas do espectro em diferentes faixas etárias, com versões para pais, professores ou autorespondida. “Esse protocolo nos permite observar nuances do comportamento social e padrões repetitivos de forma quantificável e comparativa”, explica Silvia.
O protocolo brasileiro PROTEA-R também é parte essencial das avaliações na Potência. Ele analisa sete domínios-chave, entre eles interação social, comunicação, reatividade sensorial e interesses restritos. Já a ATA (Avaliação de Traços Autísticos) contribui com um panorama geral das competências sociais e comunicativas, enquanto o clássico ABC (Autism Behavior Checklist) oferece um mapeamento prático de comportamentos em cinco áreas distintas.
A especialista destaca que a intervenção precoce é um divisor de águas. O Sistema Único de Saúde (SUS), por exemplo, oferece avaliações periódicas do desenvolvimento por meio da Caderneta da Criança, onde marcos como balbucio, interação e atenção conjunta são monitorados a cada consulta. Desde 2024, o questionário M-CHAT também está disponível no aplicativo Meu SUS Digital, facilitando a triagem inicial.
Enquanto isso, políticas públicas como o Mais Médicos e as diretrizes da Lei Brasileira de Inclusão vêm fortalecendo a formação de equipes e garantindo suporte educacional a estudantes com TEA. “Hoje, a orientação é clara: qualquer sinal de alerta deve ser investigado. Informação e ação são os primeiros passos para cuidar com responsabilidade”, conclui Silvia.