Quando menina lembro-me vagamente de ver na televisão, um show chamado “Além da Imaginação”. Uma imagem em preto e branco, assim como o som da introdução daquele show, sempre ficaram em minha mente. Talvez foi por isso, que anos mais tarde, eu me apaixonaria e me casaria com um grande fã daquele show. “The Twilight Zone” o nome do show em inglês, retrata uma série de antologia de ficção científica americana e o nome refere-se ao termo “entre luz e sombra”, ou seja, ciência e superstição, ou mesmo o fascinante mundo entre o conhecimento do homem e o desconhecido. Falarei mais a respeito desse show na sequência, uma vez que tive a oportunidade de conhecer as filhas de Rod Serling, apresentador e produtor do show, na visita que fiz a sua cidade Natal, Binghamton, Nova Iorque, pela ocasião do Centenário de Nascimento do escritor que faleceu no ano de 1975 com apenas 50 anos de idade.
Mas vamos ao que interessa no momento! O show e a sua peculiaridade. Assim como no show, nossa mente é fascinante. Como explicar que as imagens e as mensagens do show ficaram em minha mente se era um programa americano transmitido para nós brasileiros tarde da noite quando as crianças já deveriam estar dormindo? Quer dizer que eu pouco o assisti, porém o pouco foi suficiente para o meu cérebro reter. Sabe como sei disso? Porque ao longo da minha jornada, tenho usado uma imagem de menina para ajudar outras pessoas a superar certos desafios como por exemplo, perdoar alguém que nos feriu no passado.
Ao assistir o show com meu marido, me reencontrei no episódio chamado “Walking Distance” que foi ao ar nos EUA no ano de 1959 e que foi traduzido pela TV brasileira como “Distância para Caminhar”, ou melhor, “distância a pé”. Nesse episódio, Martin, um vice-presidente de uma agência de publicidade em Nova Iorque, foge do estresse num simples passeio de domingo que resulta numa volta a sua cidade natal e o reencontro consigo mesmo aos 11 anos de idade.
Assim como Martin, o protagonista do show, eu quando mais jovem, cansada das correrias do cotidiano, fechei meus olhos e imaginei aquela tão sonhada “máquina do tempo” que a gente vê em alguns filmes. Eu fui “Além da Imaginação” percorrendo as ruas de Sombrio no meu primeiro dia indo à escola. Para mim que cresci no interior da Praia Grande, Sombrio era uma cidade grande. Eu tinha apenas 13 anos de idade e estava ansiosa para conhecer meus novos colegas e professores. Minha irmã Schirley foi comigo, caminhando desde o Bairro Januária até o Centro. Passamos por uma plantação de mandiocas, atravessamos a BR 101 e também atravessamos entre as fábricas de calçados, na época (1984) a Terre (Tiscoski Rosa de Valmir e Tedson) e a Koski (de Arnaldo Tiscoski). Ela também me apontou a fábrica da Jurema Valerim, logo ali no lado, onde hoje está o Sombrio Moda Shopping.
Lembro-me com nitidez, cada rua e cada detalhe como se fosse ainda hoje. Na esquina da Avenida Nereu Ramos com a Rua Santo Antônio, onde hoje fica o prédio do Hotel Maria Rita, estava o Banco do Brasil. Schirley me disse apontando para o Fórum: “Aquele prédio é onde trabalha Lurdinha (nossa amada amiga de infância). Dali, seguimos até a escola onde ela me deixou e voltou caminhando para casa. Na terceira aula havia um teste que eu não me qualificaria por ser meu primeiro dia. Nas duas últimas aulas, a professora estava doente, então fui dispensada cedo. Fiquei aflita. O que faço com duas horas? Imagine, eu vim de uma escola onde se faltasse um professor, até a merendeira fazia atividades com os alunos, porém ninguém era dispensado cedo.
Naquele dia, sentei-me na calçada do Catulo e fiquei esperando o tempo passar. Sem um amigo, sem celular, sem um livro. Não tinha jeito, eu precisava achar o caminho de volta para casa. Passo a passo, segui a Rua Santo Antônio relembrando cada detalhe. No entanto, quando atingi o Banco do Brasil, eu já não sabia para onde ir. Perdida, lembrei-me das palavras de Schirley: “Aquele prédio é onde trabalha Lurdinha”. Então, pedi informação e achei o fórum. Além de encontrar nossa amiga de infância que era nossa vizinha tanto na Praia Grande como em Sombrio, tive a oportunidade de conhecer outras pessoas de coração genuíno que tornaram-se meus amigos ao longo do anos. Gente como a amiga Neiva Pereira que ainda é minha amiga-irmã por mais de 40 anos.
Daquele dia em diante, até completar a 8a série no Catulo, todos os dias depois da escola, saindo cedo ou no horário certo, eu passava no Fórum para caminhar com Lurdinha de volta a casa. As amizades que ali conquistei, certamente transformaram o meu alicerce mais forte. Eu poderia ter crescido pelas ruas de Sombrio. Meus pais não sabiam onde eu andava. No entanto, cresci rodeada de pessoas boas e sábias que impactaram minha vida de forma positiva. Tivesse eu achado o caminho de volta para casa, talvez nunca tivesse conhecido esse outro caminho e todas as pessoas maravilhosas que ali conheci.
Quando uso essa referência do meu passado ao conversar com alguém que guarda mágoas de outra pessoa, eu me vejo como o personagem Martin do show, voltando e reencontrando o seu eu do passado. Martin adulto tentou avisar ele menino para “aproveitar bem a infância enquanto ela dura”, porém foi interrompido pelo pai que o aconselha que “cada um tem seu tempo e que ao invés de olhar para trás, ele deve olhar para frente e por mais agradável e gratificante que são suas memórias de infância, a vida adulta tem suas próprias delícias e recompensas”. No meu caso, ao reencontrar eu menina, poderia indicar o caminho de volta a casa, dando-lhe todas as direções possíveis. Entretanto, eu iria privar a mim mesma de conhecer as pessoas que influenciaram na minha transformação pessoal e profissional.
Na vida, somos responsáveis por nossas próprias escolhas e como tal, somos responsáveis também pelos resultados. Se você escolheu o caminho certo ou não, a responsabilidade é sua, não do outro. Se pegou um atalho e se perdeu, nunca é tarde para buscar o caminho certo. O que não é certo é culpar alguém pelo resultado de suas próprias decisões. Guardar mágoas e ressentimentos é como guardar leite velho. Azeda! Você se torna azedo e amargo e muitas vezes a outra pessoa não está nem aí. Nem se lembra do acontecido. Então, que tal avaliar outra vez aquela situação, com aquela determinada pessoa? Se você tem me acompanhado, tem entendido a minha mensagem. Se queremos uma sociedade melhor e viver em paz e harmonia, essa transformação tem que partir de nós mesmos. E o ponto de partida é partir do momento que analisamos e avaliamos nossos princípios e paradigmas.
Lembre-se, você não consegue mudar a outra pessoa, mas você pode se transformar na sua melhor versão. Não importa quem está certo ou errado, mas importa quem é o mais justo. O caminho a pé é aquele logo ali. A pessoa que merece seu perdão ou talvez lhe perdoar, também está logo ali, principalmente hoje através desse mundo virtual que nos conecta mesmo a longa distância. Caminhe para frente! Avance em direção ao futuro! Mas acima de tudo, encontre-se consigo mesmo no aqui e agora.