Certa vez, em Portugal, em um ônibus abarrotado, a diversidade dos sotaques da língua portuguesa transformava uma simples viagem em um festival de sonoridades. Enquanto eu me espremia entre um, evidente, mineiro, falando sobre um jogo do Atlético e uma moçambicana contando sobre o calor de Maputo, não pude deixar de pensar: “Olha só que beleza! Todos falando a mesma língua, mas com jeitos tão diferentes.”
E por falar em diferenças, entrei no restaurante onde trabalhava e encontrei o garçom português, que tinha o dom de transformar qualquer pedido em uma saga épica. “Se for para comer um bacalhau, meu amigo, que seja banhado pelo mais puro azeite!” Ele tinha uma habilidade única de fazer até a mais simples das refeições parecer um banquete real.
Hoje, se discute outra linguagem: a neutra, que muitos se referem como “todes” e me questionam sobre o assunto. Particularmente, entendo que “todOs”, engloba “todAs”, consequentemente, acho absolutamente desnecessária, visto a origem latina de nossa língua. Ao mesmo tempo, confesso que, caso aprovado como linguagem culta, teria imensa dificuldade em adaptar-me.
Esse novo “idioma” surgiu com a promessa de inclusão mas, a mim, parece mais uma tentativa de confundir do que de clarear. Ouvi dizer que o Conselho Nacional de Educação, com toda a sua sabedoria, decidiu que essa moda “alteraria a estrutura do português que aqui se fala”. E eu me pergunto: será que já não temos confusão o suficiente com os diferentes sotaques, sem precisar adicionar mais uma camada de complicação?
Imaginemos por um instante um diálogo entre um brasileiro e um português, ambos tentando usar essa linguagem neutra. O brasileiro diria: “Oi, você já viu aquelu PresidentU?” E o português responderia, com seu sotaque melodioso: “Ah, você quer dizer o Presidente ou a Presidenta? Estou confuso!” É risível! Se nem nós conseguimos nos entender com clareza, o que dirá o resto do mundo!
E as regras da língua? Ah, as regras! Olha só, muitos adjetivos podem ser usados de forma neutra. Por exemplo, “inteligente” serve para todos os gêneros. Vamos combinar: quem em sã consciência chamaria uma alface de “alfaço”?
No fundo, essa busca por uma linguagem inclusiva deveria nos unir, mas parece que só tem criado mais divisões. Não sou contra a ideia de promover o respeito e a inclusão, mas por favor, sem perder a leveza da língua! No fim do dia, a verdadeira riqueza do nosso idioma está na sua diversidade, e isso deve ser celebrado.
Então, quando a viagem terminar e eu desembarcar na minha parada, passando pelo carrinho de churros – sim, esses que não têm gênero, mas que são deliciosos de qualquer forma – espero que possamos continuar a falar, rir e contar histórias. Porque, no fim, a beleza da língua portuguesa não está em ser neutra, mas em ser vibrante, cheia de sotaques e sabores.
“P.S. Mexer na língua é sempre complicado. Em 1938 se discutia, na Academia Brasileira de Letras, o Acordo Ortográfico entre Brasil e Portugal. E o pernambucano Manuel Bandeira era contra. Certo dia, irritado com um debate sobre a eliminação de todos os acentos diferenciais, saiu mais cedo e os repórteres perguntaram o que achava daquilo tudo. Ele respondeu, na hora,
‒ Por mim, tudo bem; que, para o poeta, a forma é fôrma.
Deu um risinho e completou
‒ Agora escrevam isso aí sem o acento diferencial.” (Jornal de Pernambuco)