Os temporais que geraram cenas inéditas de destruição no Rio Grande do Sul causaram estragos em cerca de um em cada três municípios gaúchos, fizeram um rio atingir a maior cheia de sua história, romperam parcialmente uma barragem e deixaram pelo menos 32 mortos, além de 74 desaparecidos, centenas de ilhados e milhares de desabrigados até a noite desta quinta-feira (2). A tragédia atinge o estado apenas oito meses depois das inundações de setembro de 2023, que causaram 50 mortes.
O que aconteceu
A morte mais recente foi confirmada no município de São Vendelino, onde o corpo de um homem desaparecido em um deslizamento de terra na terça-feira (30) foi encontrado, segundo o Corpo de Bombeiros Voluntário do município. Os outros 32 óbitos foram divulgados em boletim da Defesa Civil, às 9h desta sexta-feira (3).
Ao todo, 235 dos 497 municípios gaúchos foram afetados pelas fortes chuvas que se estenderam desde o início da semana. Há 17 mil pessoas desalojadas, 7.165 em abrigos e 56 feridos, de acordo com o último balanço da Defesa Civil.
Estado de calamidade pública. O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), decretou estado de calamidade pública na noite de quarta (1º), com prazo de 180 dias. As chuvas e enchentes foram classificadas como desastres de nível 3, “caracterizados por danos e prejuízos elevados”. Todo o estado foi colocado sob alerta de inundação ou inundação severa.
Com a queda de barreiras e destruição de estradas, há comunidades isoladas e incomunicáveis. Familiares de moradores das cidades de Relvado, Encantado e Caxias do Sul, por exemplo, relatam que estão há dias sem conseguir contato com eles. Há municípios inteiros sem água ou luz.
O governador afirmou que o total de mortes ainda deve subir. “Infelizmente, sabemos que esses números vão aumentar”, afirmou.
Rio Taquari atinge maior nível da história
Uma das regiões mais atingidas é a do Vale do Taquari. O rio Taquari atingiu o maior nível da história ao ultrapassar a marca de 31 metros na madrugada desta quinta (2). O recorde anterior era de 29,9 metros, registrado em 1941. O rio chegou a 31,8 metros às 6 horas da manhã.
O nível também ultrapassa o das enchentes de setembro de 2023, que chegou a 29,5 metros. Moradores dos municípios de Santa Tereza, Muçum, Roca Sales, Arroio do Meio, Encantado, Colinas e Lajeado receberam ordens das autoridades para deixar áreas de risco. A Defesa Civil afirmou que trabalha na retirada de famílias.
Ministério da Defesa anunciou hospital de campanha do Exército em Lajeado. O local terá 40 leitos de enfermaria e dois consultórios. O transporte de toda a estrutura é feito por um avião da FAB (Força Aérea Brasileira).
Também em Lajeado, a equipe de um hospital montou uma barricada para conter a água da enchente. Funcionários da unidade de saúde Bruno Born colocaram sacos de areia nas portas, e a direção informou que planeja o remanejamento de atividades para andares superiores.
Muitas das cidades que estão debaixo d’água agora mal tiveram tempo de se recuperar dos estragos ocorridos no ano passado. Muçum, por exemplo, sofre a terceira enchente seguida —além do desastre de setembro, houve outro em novembro.
O governador chegou a gravar um vídeo pedindo que moradores do Vale do Taquari deixem suas casas. A região abrange 40 municípios.
Rompimento de barragem
Nesta quinta (2), a barragem 14 de Julho, entre Cotiporã e Bento Gonçalves, rompeu parcialmente. A Defesa Civil alertou sobre o “processo de colapso” por volta das 15h50.
Com o rompimento, uma onda de dois metros de altura atingiu a região de Bento Gonçalves. Segundo o prefeito Diogo Segabinazzi Siqueira (PSDB), as equipes tiveram pouco tempo para evacuar. A onda passou pela comunidade rural de Linha Alcântara, disse, onde há famílias isoladas, e seguiu em direção aos municípios de São Valentim do Sul e Santa Tereza.
Moradores foram orientados a deixar a região e subir para locais ao menos seis metros acima do nível dos rios. A informação foi dada pelo vice-governador Gabriel Souza em vídeo publicado nas redes sociais. A ombreira direita, uma das laterais onde a barragem está apoiada, foi rompida, e a expectativa é de que a vazão da água ocasione o rompimento total, disse.
A Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura diz que monitora as estruturas de outras 13 barragens que estão em estado de alerta. Cinco delas já em processo de evacuação: Santa Lúcia, em Putinga; São Miguel do Buriti, em Bento Gonçalves; Belo Monte, em Eldorado do Sul; Dal Bó, em Caxias do Sul; e Nova de Espólio de Aldo Malta Dihl, em Glorinha.
Rio Guaíba, em Porto Alegre, deve bater marca histórica de 1941
A previsão é que o nível do rio Guaíba suba e atinja cinco metros na capital. O governador declarou que o Guaíba já atingiu 3,36 metros na noite desta quinta-feira. Em 1941, quando uma cheia histórica inundou parte do centro de Porto Alegre, o rio atingiu 4,76 metros.
Após 1941, o limite de três metros só havia sido ultrapassado em três ocasiões: em setembro de 1967 (3,11 metros), setembro de 2023 (3,18 metros) e novembro de 2023 (3,46 metros).
Especialistas e autoridades apontam que o nível do Guaíba está subindo rapidamente. A expectativa é que ele chegue a 4 metros na madrugada desta sexta. “Está subindo 8 cm por hora”, disse Leite. O Guaíba recebe as águas de diferentes bacias hidrográficas afetadas pelos temporais, como Taquari e Caí.
O lago Guaíba , na capital gaúcha, transbordou na tarde desta quinta. O nível da água foi a 3,09 metros —o limite de inundação é de 3 metros.
UOL