Demorou para que o homem primitivo saísse da caverna. Nos primórdios
da humanidade ele vivia entocado, com medo de sair e ser devorado pelas feras,
ou morto por outro homem, que vivia tão apavorado quanto ele. As florestas
eram indevassáveis, densas, compactas. Além do mais ele não tinha roupas
adequadas para proteger-se do rigor das intempéries.
Como precisava sobreviver foi obrigado a sair da toca. Com o decorrer do
tempo veio o progresso. O que lhe deixou cada vez mais confiante. A
necessidade de trabalhar, estudar ou passear obrigava-o a sair à rua. Some-se a
isso as grandes distâncias que o forçavam a viajar. O homem passou a ser
praticamente um estranho dentro da própria casa.
Eu mesmo, quando jovem, morava em Porto Alegre, trabalhava o
dia todo e estudava à noite. Durante anos eu via meus pais quase que só aos fins
de semanas e feriados. Saía cedo, almoçava e lanchava no centro da cidade.
Chegava em casa por volta da meia noite. Tanto quando eu saía como quando
chegava, eles estavam dormindo. Assuntos domésticos, corriqueiros, do dia a dia
resolvíamos por bilhetinhos. É bom lembrar que não se tinha telefone em casa.
Com o passar do tempo, o mundo evoluiu. Ficou mais agitado e perigoso.
A humanidade teve que mudar sua rotina. Eu hoje já estou me comparando ao
homem das cavernas. Voltei pra toca. Fui diminuindo gradativamente o ritmo do
meu trabalho e levei o meu escritório para casa. O telefone e o fax foram os
primeiros a diminuírem as minhas saídas para a rua. Aí veio o computador, a
Internet, os e-mails, o celular e o diabo-a-quatro. Por fim: a aposentadoria.
Hoje tenho amigos e colegas muitos dos quais nunca lhes vi o rosto. De
vez em quando eu inventava a desculpa de ir comprar o jornal ali na esquina só
para sair de casa. Agora o leio pela Internet. Ah! Mas tinha a desculpa e ir ao
cinema ou assistir um jogo de futebol em Porto Alegre e, pronto, lá estava eu, de
novo, livre para voar. Livre? Livre o cacete! A televisão por assinatura e outros
recursos tecnológicos me dão tudo isso e muito mais na minha sala.
Mas a gente sempre achava um pretexto para sair. Eu e minha mulher, vez
que outra, saíamos para almoçar ou jantar num restaurante ou em casas de
amigos. Um bailezinho de vez em quando. Enfim: livres! Será? Veio a “Lei
seca”. Agora é proibido beber uma tacinha de vinho e depois dirigir. Fica em
casa! Uma voz me alerta. Meu último gesto de liberdade são as caminhadas.
Ando por ruas, praias e campos. Vejo e falo com pessoas, olho vitrines e
fachadas dos prédios. Um cachorro que me sacode o rabo me alegra. Uma alma
maldosa me sussurrou ao ouvido “Compra uma esteira. Caminha em casa”.
Pensei em matá-lo… Achei melhor não! A prisão e o remorso seriam piores.