Nos últimos meses, tem ganhado força uma preocupante tendência entre crianças e adolescentes: a ideia de que ter um emprego formal, com carteira assinada, é sinônimo de fracasso. A sigla CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) tem sido usada como ofensa, uma visão que preocupa especialistas e reflete uma distorção sobre o mundo do trabalho e a importância dos direitos trabalhistas.
O mito da CLT como sinônimo de fracasso
A difusão de discursos que demonizam o emprego formal é impulsionada por influenciadores digitais e até mesmo por “coaches mirins”, que propagam a ideia de que a única forma de sucesso é o empreendedorismo desenfreado. Essa narrativa simplifica uma realidade complexa e ignora o papel da CLT na garantia de condições dignas para milhões de trabalhadores brasileiros.
De acordo com Maria Mello, coordenadora do programa Criança e Consumo, do Instituto Alana, essa visão reducionista pode ter impactos negativos a longo prazo. “Os jovens são expostos a uma mentalidade de riqueza imediata, que despreza o esforço contínuo e a segurança proporcionada pelo emprego formal”, afirma.
CLT: um marco histórico de conquistas
A CLT foi instituída em 1943, durante o governo de Getúlio Vargas, unificando e regulamentando os direitos trabalhistas no Brasil. Antes dela, trabalhadores estavam sujeitos a jornadas extenuantes, baixos salários e instabilidade. Com sua implementação, garantias como férias remuneradas, 13º salário, limite de jornada de trabalho e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) passaram a ser realidade.
Além disso, a Constituição de 1988 ampliou essas conquistas, tornando o ambiente de trabalho mais justo. Entre os direitos fundamentais garantidos pela legislação estão proteção contra despedida arbitrária, seguro-desemprego, licença-maternidade e paternidade, aposentadoria e adicionais de insalubridade e periculosidade.
O perigo da precarização e da informalidade
O desprezo pela CLT pode levar ao crescimento da informalidade e à retirada de direitos essenciais. Sem proteção legal, trabalhadores enfrentam insegurança financeira, ausência de benefícios e maior vulnerabilidade a abusos. O mercado de trabalho informal, embora flexível, deixa milhões de brasileiros sem garantias mínimas, tornando a ascensão social ainda mais difícil.
O advogado trabalhista Bruno Minoru Okajima ressalta: “A CLT não impede o crescimento profissional, mas assegura um caminho mais estável para quem deseja crescer na carreira sem abrir mão de direitos básicos. A alternativa à CLT não é sempre o sucesso empresarial, mas muitas vezes a precarização.”
Sucesso não tem formato único
O discurso que associa sucesso à ausência de vínculo empregatício ignora que existem diversas formas de realização profissional. Ter um emprego formal não significa estagnação, mas sim segurança para planejar o futuro, investir na própria qualificação e crescer dentro da carreira escolhida.
Empreender pode ser uma opção viável, mas não deve ser visto como a única forma legítima de sucesso. Muitos empreendedores, inclusive, começam suas trajetórias no mercado formal, adquirindo experiência e conhecimento antes de arriscarem seu próprio negócio.
Uma nova narrativa para as futuras gerações
É fundamental que pais, educadores e formadores de opinião orientem os jovens sobre a realidade do mercado de trabalho e a importância dos direitos trabalhistas. A CLT não é um obstáculo, mas um pilar que sustenta a dignidade e o equilíbrio entre patrões e empregados.
Ao invés de alimentar a ilusão de que apenas poucos privilegiados podem ser bem-sucedidos sem um emprego formal, é necessário reforçar que um mercado de trabalho saudável precisa de regras que garantam segurança para todos. O verdadeiro fracasso não é ter direitos, mas abrir mão deles sem compreender sua importância.