domingo, 13 DE outubro DE 2024
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Pesquisa revela potencial catarinense para produzir café especial

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Há gerações, cafezais crescem no Leste de Santa Catarina sob a sombra da Mata Atlântica ou de outros cultivos agrícolas. Um conhecimento de famílias agricultoras que optaram pela convivência harmoniosa da natureza com o cultivo do grão, que vai dar origem a um café especial, com alto apelo econômico e ambiental. Um estudo comprovou que o café arábica variedade mundo novo, produzido sob a sombra de bananais orgânicos em Araquari, se enquadra como café especial excelente.

A pesquisa foi realizada por profissionais da Epagri em parceria com o Instituto Federal Catarinense (IFC) – campus Araquari e com o Instituto Federal do Sul de Minas – campus de Machado. O levantamento concluiu ainda que Santa Catarina possui áreas com condições climáticas potencialmente aptas para o cultivo de café arábica especial, considerando a colheita seletiva e adequado processamento pós-colheita para explorar a máxima qualidade sensorial e evitar defeitos físicos nos grãos. Por fim, a pesquisa apontou a necessidade de mais estudos, tanto sobre a adaptabilidade ao grão ao litoral catarinense, como do manejo de cultivo e pós-colheita. Wilian Ricce e Fábio Zambonim, pesquisadores da Epagri/Ciram, delimitaram o mapa com a região potencialmente apta, de acordo com o clima, para o cultivo de C. arábica em Santa Catarina.

“Queremos mostrar o potencial que o café especial arábica tem na região litorânea de Santa Catarina. Cultivado em sistemas agroflorestais, ele pode ser usado como estratégias de restauração e uso econômico de áreas de preservação permanente nas propriedades rurais familiares”, descreve Zambonim, pesquisador da Epagri. Ele lembra que a expansão da cultura no Estado teria apelo ambiental e também econômico. “Tem muito agricultor familiar indo bem economicamente com essa cultura”, relata.

Pesquisadores da Epagri/Ciram delimitaram mapa com região potencialmente apta

Bandeira mostra tradição do café no estado

A cafeicultura já foi uma atividade de expressão econômica em Santa Catarina. Prova disso é a bandeira do Estado, criada em 1895, que traz a imagem de um ramo de café com frutos. “As primeiras plantações de café em Santa Catarina foram estabelecidas no final do século XVIII e, apesar de sua pequena escala, quando comparada às grandes lavouras da região Sudeste do Brasil, o produto catarinense sempre se destacou pela sua qualidade”, avalia Fernando Prates Bisso, professor do IFC – campus Araquari e um dos autores do estudo. Ele conta que, frequentemente, os grãos colhidos no território catarinense eram utilizados para compor e melhorar lotes exportados para mercados mais exigentes, como Uruguai e Holanda.

O cenário mudou na década de 1960, como resultado de uma política pública nacional de erradicação de cafezais para regulação dos estoques mundiais do grão. A partir daí a produção de café no Leste catarinense migrou do status comercial para uma cultura de subsistência. No entanto, levantamento realizado pelo IBGE em 2017 mostrou que pequenos cultivos isolados se mantiveram em 15 municípios de Sul a Norte da costa catarinense, evidenciando a adaptabilidade da cultura às condições de clima e relevo da região.

O sistema de produção e de colheita adotado na região produtora de café no Estado foi o diferencial que garantiu a qualidade do produto catarinense quando era produzido em escala comercial. Os pesquisadores explicam que, cultivado preferencialmente sob a sombra de espécies arbóreas da Floresta Atlântica, o café arábica se adaptou e se desenvolveu muito bem no litoral do Estado. Por outro lado, a colheita dos frutos, realizada predominantemente de forma seletiva e escalonada ao longo da safra, garantia que os frutos fossem coletados no ponto ideal de maturação. A atividade é trabalhosa e onerosa, porém viável no contexto típico das propriedades rurais familiares.

Pesquisas espalhadas pelo estado

Aspectos de mercado de cafés especiais e do sistema produtivo agroflorestal de Santa Catarina despertaram o interesse da pesquisa agropecuária, da extensão rural, de gestores públicos, de produtores rurais e da iniciativa privada.

Em Major Gercino, município da Grande Florianópolis, o extensionista da Epagri, Remy Narciso Simão iniciou um trabalho em parceria com o agricultor Amauri Batisti. Eles implantaram 1,8 hectare de cafés arábica das variedades Icatu, Tupi e também de plantas formadas com sementes de cafezeiros tradicionais da região. O extensionista aposta que a cultura do café, que faz parte da tradição dos agricultores do Vale do Rio Tijucas, pode ser uma importante fonte de renda associada à manutenção da cobertura florestal existente no município.

No litoral Norte do Estado, no município de São Francisco do Sul, o extensionista da Epagri Claudio Souza observa que, na comunidade da Vila da Gloria, os cafezais são cultivados sob cobertura de árvores nativas. Segundo ele, apesar da produtividade não ser considerada alta, os valores obtidos com a comercialização do café torrado e moído pelos agricultores diretamente aos consumidores tornam a atividade uma importante fonte de renda complementar às propriedades.

No município do José Boiteux, no Alto Vale, o jovem agricultor Matheus Eliaser Lunelli recebeu orientação da extensionista da Epagri, Deborah Ingrid de Souza para aderir à produção de café no sistema agroflorestal. Mas quem deu a ideia foi o avô do Matheus. “O pai dele tinha café plantado e produzia muito bem na nossa propriedade”, conta o agricultor, que recentemente implantou 150 pés numa área de 600 metros quadrados.  Ele está muito satisfeito com os resultados obtidos até o momento.

Deborah conta que a escolha do café para montar o sistema agroflorestal na propriedade de Matheus resgata a cultura e o potencial do Alto Vale para esse cultivo, dada suas características geográficas e de clima. Segundo ela, o grão produzido em sistema agroflorestal se aproxima das condições originais do café, que é uma planta que se desenvolve na companhia e à sombra de outras espécies. Isso proporciona ao fruto final uma composição mais interessante, com mais açúcares e outros elementos diferenciados. “O grande desafio vem depois, o beneficiamento do grão”, afirma. Ela também destaca o aspecto ambiental, já que o sistema é agroecológico, ou seja, não usa agrotóxicos e adubos químicos.

Em Itapema, iniciativas interessantes do cultivo agroflorestal de café têm garantido a renda de produtores rurais familiares. Os agricultores Selmo Manoel Santos e seu genro Renato Alberto de Souza, integrantes do Grupo Ecológico Costa Esmeralda, cultivam cerca de 600 plantas de café em sistema agroflorestal consorciado com banana. A produção possui certificação orgânica pela Rede Ecovida. Inseridas em reserva de Mata Atlântica e sob influência da brisa marítima, as plantas desenvolvem-se em condições específicas de microclima, que influenciam e conferem uma identidade própria na qualidade dos grãos e da bebida.

Todo o café produzido é beneficiado pelos próprios produtores, que assim agregam valor à produção comercializada na feira de orgânicos do município. A família vivencia o seu cultivo há muito tempo, sendo uma das pioneiras na região.

Resgate da cafeicultura

A Associação dos Bananicultores de Corupá (Asbanco), idealizadora do projeto de Indicação Geográfica (IG) de Denominação de Origem (DO), da Região de Corupá como produtora da Banana Mais Doce do Brasil, agora vislumbra o potencial econômico de cafés especiais, sombreado pelas lavouras de banana, principal atividade econômica do município. “Corupá é uma região rica em história e nossos agricultores mantém a tradição do cultivo de café para consumo da família há mais de 80 anos. Não imaginávamos que nosso café teria os atributos e seria classificado como café especial, o que muito nos orgulha”, comenta Eliane Müller, diretora administrativa da Asbanco.

Em Corupá, os cafezais crescem à sombra das bananeiras 

O agricultor Guido Tandeck, primeiro em Corupá a participar do projeto de resgate da cafeicultura desenvolvido pelo IFC – Araquari, relata que em sua casa nunca se comprou café no mercado, sempre se consumiu a produção própria. “Depois de colher, secamos os grãos no sótão da casa e deixamos descansar por um ano para depois torrar e moer, tradição que aprendi com meus pais e hoje repasso para meu filho. Nunca imaginei que poderia ser especial, para nós era só café”, relata, admirado.

O projeto de resgate da cafeicultura catarinense conta com a colaboração de Leandro Carlos Paiva, mestre em torra, barista e professor titular de agroindústria e qualidade do café do IF Sul de Minas – Campus Machado. “Santa Catarina é privilegiada por uma latitude que, para quem entende de cafés especiais, não oferece a necessidade de ter suas lavouras em altitude, para que o café apresente qualidade diferenciada. O que falta é um estudo sobre esses efeitos, para descobrir como e quanto é especial o café catarinense”, diz.

Os resultados iniciais do estudo com amostras de cafés de Santa Catarina foram bastante promissores, com algumas chegando a obter pontuação média dos descritores superior a 85 pontos, revelando cafés especiais de qualidade excelente, de acordo com a escala de classificação da SCAA-Specialty Coffee Association of America.

Amostras recentes de café procedentes de vários municípios, como Araquari, Itapema e Corupá, e que foram beneficiadas pelos próprios agricultores, também revelaram pontuação de cafés especiais de muito boa qualidade, entre 81 e 84,17 pontos. “Dependendo da procedência da amostra e seus atributos sensoriais, os descritores encontraram diferentes características de aroma e sabor entre os cafés catarinenses, entre elas: caramelo, chocolate, doce, ácido cítrico, frutado e verde, o que confirma a diversidade da cultura em SC”, finaliza o professor Bisso.



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